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Das duas, uma: ou os espanhóis percebem muito de música ou não percebem mesmo nada (sem querer parecer arrogante: eu acho que percebo um bocadinho, mas só um bocadinho - não dá para aturar a maioria das pessoas que percebem muito). Então não é que num hipermercado à saída de Valença descubro uma coleccção de cd's duplos de jazz e blues por 6€ e meio e um cd dos Fleetwood Mac da era Peter Green por pouco mais de 3€? Tudo bem, nas colectâneas há muita versão ao vivo provavelmente gravada às escondidas (principalmente à medida que as faixas vão avançando no tempo - os blues rurais são gravações originais) e o álbum dos Fleetwood Mac é claramente uma gravação pirata, mas a qualidade do som não desagrada e já valia a pena só pela integral - repito:integral - do Robert Johnson (quanto custava numa edição mais carota vista em Coimbra? 15, 20€?)

Humor 2: El Cabron

Encontrei há algum tempo este blog que, do pipi, aprendeu o essencial: a crítica com véu tem piada desde que se saiba fazê-la. É prioritário para quem for de Coimbra e obrigatório para quem passa ou passou algum tempo da sua vida na Associação Académica. Para quem andou pela Cabra ou pela Ruc, então, é imprescindível.
Há dias assim. Os filmes passaram por mim como um furacão, e todos na medida apropriada. Uma obra-prima, um filme de domingo à tarde para toda a família visto no domingo à tarde com toda a família, um pedaço de filme revisto para aguçar a curiosidade e um filme sentimentalão para poder falar mal de alguma coisa.



A obra-prima foi “As Férias do Sr Hulot”, de Jacques Tati. Nunca tinha visto Tati e, daquilo que tinha espreitado (ou seja, alguns segundos em televisionamentos), não conseguia perceber. Parecia-me distante. Hoje percebi. Deu para reler a crítica que Bazin fez à época, o que foi muito agradável, embora tenha sido necessário filtrá-la para o momento de agora: “Amarcord” ainda não tinha sido feito e, no que à avaliação da concepção do tempo diz respeito, isso interessa. E também compreendo porque foi esse o filme que inspirou Rowan Atkinson, o famoso Mr. Bean (embora eu prefira lembrá-lo como Black Adder), a criar a personagem. Tati consegue ser burlesco sem ser, como dizer, espalhafatoso; consegue criar a desordem sem caos; cria conflito (os gags baseiam-se sobretudo na revelação de impedimentos, provenham eles das pessoas ou dos objectos) sem que o choque resultante seja excessivamente bruto.
O que é mais espantoso é que a RTP anda a aproveitar-se de um concorrente gago no “Quem Quer Ser Milionário?” para fazer publicidade, e o homem tem tudo de Hulot.

(talvez haja quem pense que eu ligo demasiado às coincidências; de vez em quando, eu próprio penso isso; tudo vem de um artigo lido uma vez sobre Paul Auster)

Com a família foi “George da Selva”, com o Brendan Fraser e um macaco falante. Porque não? Macacos falantes na televisão nunca faltaram.
Curiosidade espicaçada com “A Irmandade do Anel”: espero que o novo Senhor dos Anéis espere por mim antes de sair de exibição em Coimbra.
“Favores em Cadeia” para acabar. Sim, eles são famosos; sim, eles são excelentes actores; sim, o filme dá lágrima no canto do olho (principalmente para quem, como eu, tem lágrima fácil). Não é muito mais do que exactamente isso, um filme suportado pelos tocantes Spacey, Hunt e Osment, mas, como não dá pretensão de querer ser mais do que é, não insulta.

anteontem também revi o final d' "A Vida é Bela", que vi pela primeira vez com os meus amigos, saídos todos da primeira frequência. E a música da banda sonora, que sempre me comoveu - raios para os italianos e as suas bandas sonoras -, parece-me agora uma música nossa ou das vidas de todos nós. Por isso, comove-me ainda mais.
o blogger anuncia, eu pasmo. olhe-se para isto sem entrar numa de to be or not to be...

Estive a ver o "Harry Potter". Nunca li nenhum livro e nunca tinha visto um filme. Divertido. Mas cheguei ao fim e deu-me um susto: não é que Steven Kloves, o argumentista de dois dos meus filmes preferidos ("The Fabulous Baker Boys" - que também realizou - e "Wonderboys"), é o adaptador de serviço dos romances da JK Rowling?
E qual é o problema, diz alguém muito rapidamente, nenhum, nenhum, respondo eu, envergonhado...

Humor



Eu, hoje, não estava para escrever nada. Mas como vim à net, me pus a ler umas coisas que, enfim, ligaram a outras, como me deu para a maluquice e descarreguei o "Careless Whisper" e o "Last Christmas" já vem a caminho (pronto, elis reginas e marias ritas lá no meio, ouvi hoje a miúda na rádio e gostei, que se há-de fazer), apeteceu-me falar de humor.
Rapidamente: humor bem feito depende mais da atitude (e do dom para o oportunismo) do que do estilo ou conveniência; não foram muitos os blogs nacionais nascidos (ou não) com o propósito de fazer rir que ultrapassaram a herança e o modelo do pipi (muitos blogs nasceram, não para fazer humor, mas para fazer igual ao pipi), que, quanto a mim, perdeu com a sua popularização aquilo que o distinguia - o prazer voyeurístico de quem o visitava, aliado ao domínio enciclopédico do calão que distraía a mente da repetição.

Há dois blogs - nos antípodas um do outro - que conseguem ser verdadeiramente engraçados porque essa não é a sua vontade (o seu leitmotiv, para quem quiser ser ridículo). Fazem rir porque são feitos com piada e dizem coisas sérias com piada. A Cagada é escatológico, boçal e irresistível. Nos piores momentos, é gratuito sem direito a rede. Nos melhores, é quase poético. Por exemplo,

:: Sexta-feira, Novembro 28, 2003 ::
Divagações sobre um grafitti
Estavamos em frente a um grafitti onde estava escrito "RAKEL" e uma dúvida pertinente ocorreu ao Sebastião:
Será que a Raquel, com "Kapa", faz broches com "Xis"?

:: postado por Calimero 2:49 PM [+] ::


A Kathleen Gomes é um Boi está mais próximo daquilo que fala - o humor é um meio para a crítica do quotidiano das autoras - e tem um estilo mais subtil, preferindo a repetição e a ironia de modo a salientar o ridículo das situações. Este é um bom exemplo.

2003/12/21

Esqueci-me de uma coisa...
Um minuto de silêncio por favor...
Ontem saiu a AGENDA XIS com o público...
- post por Vera às 01:41


Enfim, duas sugestões que ficam. Se já conheciam os blogs, não me chateiem. Não sou o Pacheco.

Do aborto

Antes de mais, eu não sou um fazedor de opinião profissional. As minhas reflexões neste blog não resultam do compromisso com qualquer meio de comunicação. Desconsidero a opinião pela opinião, a notícia para o enchimento de espaço livre. Por isso, só falo disto agora, depois de toda a discussão e só depois de ter tido o tempo suficiente para arrumar as ideias. A discussão voltará um dia. Este texto já fica, que é para não ser apanhado desprevenido quando ela chegar.

Há dias, vinha eu no autocarro em direcção a casa. Estava a tentar dormir sono de autocarro, ou seja, abrindo frequentemente os olhos sem que alguma vez acordasse (ou dormisse) verdadeiramente. A rádio estava ligada e eu ouvi uma mulher exaltada num fórum da Antena 1. “Eu já tenho 64 anos e nunca abortei. Mas, se neste momento tivesse de o fazer, eu fazia-o, porque no meu corpo só mando eu e porque não traria um filho ao mundo de propósito para o dar para adopção. Já viu o que era eu dá-lo e ele ser adoptado pelo Paulo Portas ou por alguém como ele?”.

Isto fez-me pensar. Uma mulher de idade já mais avançada diz isto e, ainda por cima, põe-se logo a seguir a soltar umas verdades bastante brutas sobre a igreja e respectivas frequentadoras. Ao longo do programa, mais pessoas do mesmo grupo etário declararam o seu consentimento à interrupção voluntária da gravidez. Eu, jovem do pós-referendo e de consciência política saudavelmente (julgo) construída: o que pensar, qual deve ser a minha posição em relação ao assunto?

A frase que proferirei em seguida poderá parecer à primeira leitura, reconheço-o, horrível e merecedora de grande destaque na secção de prémios da Grande Reportagem. Mas eu não consigo deixar de pensar que a reflexão sobre o aborto é demasiadamente centrada na questão da vida, da determinação do seu início e, por arrastamento, da noção do que é (ou onde começa a ser) o Homem.

Considero que a centralização do debate em tal questão implica, pelo menos, duas consequências negativas. Primeiro, sendo sem dúvida inultrapassável, ela revela –sempre revelou – uma forte aptidão para fazer pender o discurso para a demagogia. Segundo, monopolizar a atenção pública para essa dimensão do fenómeno social complexo que é o aborto, como aconteceu na discussão pré-referendo de aqui há uns anos, simplifica os termos, os lados do jogo, se é que se pode dizer assim, em bons pró-vida e maus pró-morte, nos que querem deixar viver a criança e os pérfidos assassinos. Porque a simplificação do debate pode sem dúvida ter, em eleitores com menor instrução, mais influenciáveis por dados poderes instituídos ou que simplesmente não possam, por quaisquer razões, ponderar a fundo aquilo que lhes é pedido ou perguntado, esse incrível efeito de fazer sentir a possível solução como, daqui para a frente, ou deixar viver todos os bebés concebidos ou fazer matar todos os bebés concebidos. Não ajuda nada que certos clérigos se achem no direito de direccionar o voto dos seus paroquianos para um sentido, preferindo agitar-lhes na cara as chamas do inferno a explicar-lhes – e falamos de pessoas muitas vezes isoladas em meios onde questões como estas são invariavelmente resolvidas através de uma surda condenação preconceituosa, meios onde a igreja deveria actuar como guia de lucidez e de compreensão do mundo exterior – exactamente o que está em jogo, confrontá-los com as diversas opiniões e fundamentando a razão de ser da posição que a igreja toma, permitindo assim que elas tomem a sua própria opinião e favorecendo a reflexão e o esclarecimento.

A verdade é que o aborto é uma certeza histórica. Ele vai continuar a acontecer e, o que é pior, vai continuar a mandar mulheres para o hospital por complicações devidas a um procedimento incompetente ou, simplesmente, de quem não possuía os meios médicos necessários para torná-lo competente. O que, em todo o caso, não o costuma impedir de cobrar quantias consideráveis àquelas que o procuram.

Uma nota de atenção deve ser introduzida aqui, já que este é um aspecto que a discussão pública também nem sempre foca como devia. As mulheres que abortam, as que acabam por ir parar ao hospital por isso e as que não, tomam uma decisão dura, que contraria o seu instinto natural básico de maternidade. Sabem que vão sofrer dores horríveis, desequilíbrios hormonais, corrimentos. Sabem que abdicam do dom de serem mães e arriscam perderem-no para sempre. Nenhuma mulher, nem que seja simplesmente por esse incómodo físico, começará a encetar uma vida sexual descuidada pelo mero facto de saber que poderá vir a abortar do filho que poderá conceber. Isso é uma ilusão causada por mentes assustadas que sentem segurança a respirar o ar condicionado de megacentros comerciais.

Já se falou da certeza da perenidade do aborto. Já se ilibou a mulher da sua culpa primordial. Mas poder-se-á sempre contra-argumentar que não é por saber que vai sempre haver homicídios que estes se vão legalizar. Concordo plenamente, não há mais nada a dizer e isto encerra a reflexão. Ou talvez não. É que não é exactamente essa a razão que me leva a achar justificável a interrupção voluntária da gravidez. Vejamos. Para haver essa interrupção, existe
a) a mulher que aborta
b) a pessoa que, através de conhecimentos e técnicas adequadas, deve provocar o aborto.
A mulher que aborta sofre o aborto no seu próprio corpo. O acto é efectuado sobre ela própria, ao contrário do do homicida. Não quer isto dizer que o sistema de saúde público (pois eu só concebo uma correcta despenalização da interrupção voluntária da gravidez com uma consequente responsabilização do sistema de saúde pública – de nada adiantará que se deixe simplesmente que as mulheres possam visitar o carniceiro, que, atente-se, nem sempre o é por simples vontade exploratória) deva também ser responsável por uma auto-amputação que um ser desequilibrado queira levar a cabo. A actuação desse serviço deve-se julgar segundo um critério de necessidade aferida a partir da gravidade de um determinado problema no âmbito daquilo que se convenciona chamar “saúde pública”. O aborto é ou não um problema crucial de saúde pública quando, em 2002 – e isto é um exemplo (não quero que me acusem de ir buscar justificações de princípio a efemérides temporárias sem repercussão) - oito mil mulheres deram entrada nos hospitais portugueses por complicações derivadas do aborto? Quantas mais não terão corrido esse risco ou sofreram o que tinham a sofrer em casa, por vergonha ou medo? Elas têm ou não o direito a evitarem tudo isso sendo tratadas por quem sabe o que faz?

Pergunta: o aborto permitido é um fim em si mesmo? Não, é óbvio. Deve ser acompanhado por assistência ao planeamento familiar, aconselhamento a adolescentes, divulgação e distribuição de meios contraceptivos. Segunda pergunta: ele deve esperar pela concretização de tudo isto, ou será isto suficiente ao ponto de permitir abdicar dele? Não parece: apesar de tudo, o sexo já não é o tabu que já foi. Os adolescentes, os jovens, todos estão já a par dos métodos contraceptivos existentes (pelo menos, do preservativo) e, no entanto, não deixam de aparecer mães adolescentes. Serviu para alguma coisa o “Não” (não vinculativo) do referendo?

Ainda quanto à questão da vida humana. Eu considero que (nas semanas iniciais, como é óbvio, e os partidos têm tido consciência disso) o embrião ou o feto pertence mais à mulher do que a si mesmo. Não concordo com o argumento do direito a fazer o que se quiser com o seu próprio corpo, soa-me um pouco a feminismo mal mastigado. Acho, sim, que a mulher tem o direito a fazer o necessário ao seu corpo, ou melhor, que a última palavra acerca de uma intervenção com repercussões sobre o corpo deve ser invariavelmente da pessoa a quem esse corpo pertence. Se a mulher considera que o que está dentro dela e virá a tornar-se num ser autónomo dela não deve continuar a percorrer o processo que o levará a essa autonomia, ela deve ter o direito de interromper o seu crescimento recorrendo a uma equipa médica competente e que a acompanhe, evitando as armadilhas do submundo. É imoral que uma pessoa que tenha de tomar essa decisão difícil e sofra por o ter feito seja tratada como uma criminosa aos olhos da lei e do Estado.

E se o Sr. Dr. Durão Barroso não se acha na posição de julgar uma mulher que tenha abortado mas não se digna a levar o assunto a referendo, eu digo isto. Já ouvi muitas vezes dizer “em princípio, condeno o aborto, mas não que digo que não mudaria de opinião se passasse por uma situação semelhante”. Custa-me a compreender. Acho hipócrita. Se a minha namorada engravidasse acidentalmente, eu seria o primeiro a encorajá-la a termos o filho. Mas não condeno quem não se sentiu na posição de o fazer. Em princípio, tolero o aborto, mas quereria ter o filho se passasse por uma situação semelhante. Assim, parece-me, é mais correcto. Mas talvez não politicamente.


Nestas férias vou ler. "A realização cinematográfica", de Terence Marner, é garantido. Talvez as "Teorias do Cinema" do Andrew Tudor e a "Introdução à Análise da Imagem" da Martine Joly (sim, eu gosto muito da colecção Arte e Comunicação das Edições 70). Estes talvez. Mas gostava de ler também Nuno Moura ("Os livros de Hélice Fronteira, Regina Neri, Vasquinho Dasse, Ivo Longomel, Adraar Bous, Robes Rosa, Estevão Corte e Alexandre Singleton", comprado muto baratinho na Festa do Livro) e de passar de um ano para o outro a ler Camus.

Eu tenho uma relação com Camus (aqui fotografado por Cartier-Bresson, mestre de outras andanças). Eu respeito-o, o que é estranho de se dizer. Normalmente, quando me perguntam sobre o livro da minha vida, eu começo a frase de resposta a dizer "O Estrangeiro". Nunca tão claramente (ou mesmo nunca mais) um livro me transformou tão radicalmente, no sentido de que o meu pensamento, a minha ética, tornaram-se outros depois de o ter lido aos 17 anos. Na verdade, eu fui para a universidade para ser um homem absurdo - ou seja, tentei reflectir na minha vida o que tinha lido (não só no romance em si mesmo, mas também na fantástica introdução do Sartre, o filósofo que escrevia e que acabaria por se zangar com Camus, escritor que filosofava) e por isso é que "O Estrangeiro" é o livro da minha vida. Apropriei-me dele quando tentei aplicar o seu "programa" a ela e isso nunca mais voltou a acontecer com outro livro, por falta de disposição e porque, se calhar, a própria vida só nos dá uma tentativa para que isso aconteça (não é a mesma coisa, repito, não é a mesma coisa reconhecer um livro na vida que se vive ou já se viveu).

Foi por isso mesmo, por essa relação tão forte, essa empatia tão absoluta, que só consegui ler outro livro de Camus ("A Peste") alguns anos depois. E, mais uma vez, algo semelhante a uma revelação aconteceu. Não só o livro me reconciliou com o romance numa altura em que estava francamente zangado com o género e só conseguia ler narrativas curtas, como também me apresentou à personagem Joseph Grand, de que já tinha ouvido von Trier falar no seu "Epidemic". Ora, J. Grand passou a ser uma espéie de alter-ego meu na Internet, mais uma personagem para além de mim do que um simples nickname. E não me posso esquecer - já estava para acontecer - que nenhum outro nome para este blog parecia mais apropriado quando o comecei.

É por tudo isto, por saber que Camus me diz sempre algo que vou considerar certo, por achar que eu não o devo merecer constantemente, por ter medo de que uma dose em demasia me deixe enfatuado do meu escritor preferido e por considerar que ele deve ser lido com tempo e calma (numa altura que por si mesma seja de lembrar: um verão, um natal...) - é por tudo isto que sinto como necessário ter que deixar algum tempo entre leituras de Camus.


Como já era de esperar, devorei hoje os 12x13 minutos do Volume I do “Contacts” (Cartier-Bresson, Doisneau, Freed, Erwitt, McCullin, Giacomelli – só é pena o Winogrand ter morrido cedo demais) e, talvez por infecção do visto (um homem que de repente, e pela sua própria voz, se põe a reflectir sobre o seu trabalho, o lugar que este ocupa na sua vida, a sua percepção dele e de si mesmo através dele), notei o enfraquecimento da fotografia em mim. Quero dizer: estou em casa e está frio, penso, a água está fria e cá em baixo, na casa de banho onde tenho o laboratório, ainda mais. Ou seja, sou um preguiçoso, mas isso já eu sabia. Essa preguiça, no entanto, antes não me impedia de fazer as provas que queria.

Há nisto tudo uma certa maturidade. O papel custa dinheiro, o sonho já não é o que era (ainda está lá, porém). Para quê, começo a perguntar cada vez mais; dantes não, dantes perguntava porquê e atirava-me às coisas para compreender – guardei todas as fotos estragadas no dossier. Fiz a última acção profissional, vi o Manuel Silveira Ramos a ampliar fotografias a olho, como quem pinta. Espantoso, pensei.

Ou pode não ser nada disto e ser só eu a querer aproveitar Monção, as mãos da minha avó, os olhos da minha mãe, o sorriso do meu pai, o meu avô, que é talvez a pessoa com quem eu mais me pareço. Mas não me parece.

Tenho livros para arrumar.

Mas antes: vi aquilo tudo de seguida, o que de não há-de ser muito saudável, mas pensando sempre 'eu já conheço, eu já te vi, eu já te copiei, eu compreendo-te'. Na altura em que vi o programa na televisão, eu não conhecia nada. Agora, sem que pense sequer que alguma vez cheguei à dimensão daqueles homens, compreendo-os, sei do que falam quando se dizem frustrados ou alegres. E, ainda assim, aquelas provas de contacto são perfeitas. As de Depardon (cujas fotografias nunca foram das minhas predilectas) são-no para além do humano. A alegria foi-se sem que tenha chegado a perfeição? Será isso?
Já apareci em vários jornais – e ainda não acabou... -, já fui entrevistado para a RUC (pelos amigos Maria João e André, que são compinchas), ando numa roda viva para ver se as coisas andam para a frente. Vou repetindo que são 15 minutos, são 15 minutos...

e não percebo o que se passa com os comentários do blog. Pelo que li, é problema do Enetation; eles aparecem, é o que importa...

Hoje faço anos. Escolhi a minha própria prenda: o melhor programa de televisão de sempre (em dois volumes, este e este). Um quarto de hora, as folhas de contacto de um fotógrafo reconhecido, o comentário pelo próprio, sem bailarinas semi-despidas nem música de plástico – o silêncio, tal como o preto das provas de contacto, envolve as fotografias e elas são nada mais do que aquilo que são. A ideia foi do William Klein (parafraseando: uma fotografia, em média, poderia ser 1/125 de segundo; quantas fotografias conhecemos geralmente de um fotógrafo, 125, 250? São um ou dois segundos) e passava no canal História aqui há uns dois ou três anos para encher chouriços quando os documentários só tinham 45 minutos e não acabavam a horas certas. Não há livro de fotografia nem exposição que se lhe assemelhe.
Ontem, na FNAC do Chiado, ouvido aberto, uma voz fininha, muito Bobone:
"Oferecer a alguém 'O Idiota', acho que é fantástico. Não é?"

De vómito.


Há duas razões para eu gostar de Peter Weir. Primeiro, um dos filmes que, de certeza, vi mais vezes é “Dead Poets’ Society”. Lembro-me de aqui há uns tempos ter lido alguém que dizia que esse filme recorre a truques pequeno-burgueses para conseguir equivalentes emoções do espectador. Devo dizer que isso não me importa mesmo nada. Antes pequeno-burguês do que aristocrata. O filme é uma bela tradução para o universo juvenil de um ideal romântico, é perfeito na sua expressão do grupo e das variantes que o compõem e, acima de tudo, a sua belíssima cena final nunca cessa de me arrepiar, pois recorda-me algo em que penso sempre (graças principalmente, mas não só, às manhãs de Introdução ao Direito com o poético Pinto Bronze) como a minha “idade heróica”.

A segunda razão para eu gostar de Peter Weir é “The Truman Show”, que vi duas vezes, (fenómeno raríssimo, ainda mais porque fui eu a pagar o bilhete das duas). Fi-lo porque, com e por ele (não só, mas também e principalmente), mudei a concepção do que seria para mim um “bom” filme. Saído do Secundário, sobreconsiderava, parece-me, autores como Peter Greenway , no sentido em que para mim era um bom objecto artístico – e não só cinematográfico - aquele que enveredasse por grandes desenvolvimentos formais, sobreposição de dimensões (narrativas, temporais, espaciais, enfim...), hermetismos de linguagem que obrigassem a grandes pesquisas bibliográficas e referências multidisciplinares exaustivas. “The Truman Show” obrigou-me a reconsiderar. Fazendo um apelo directo ao espectador e surgindo na altura mais oportuna possível (quando “Big Brother” ainda era um embrião que esperava por ramificar tentáculos a partir da Holanda), o filme moveu-me, fez-me pensar. It reached me, como se diz. E porquê? Aquilo que de mais complicado havia era só o evidenciar das câmaras televisivas – a câmara de cinema era invisível, a de televisão era intrusiva e indiscreta, ou seja, o cinema mostrava a realidade, a televisão invadia-a. Mas aquilo dava-se a entender, abria-se a mim. Eu não tinha de conquistar o filme como uma montanha inacessível, ele estava lá. O que não teria eu visto se não tivesse visto então “The Truman Show”? Uma data de coisas belíssimas que teria desconsiderado por demasiado fáceis. Um filme tem de marcar, surpreender, ser um espelho concentrado do mundo que, por demasiado belo, ofusque o olhar de quem no mundo vive. Pouco importa aquilo que tem por trás, o que esconde, se não conseguir atingir esse objectivo. Uma pessoa só quer ler o que está por trás do filme para perceber o que há nele que a fascinou. Antes do porquê, deve vir o sentir. E ele pode estar sozinho. Interrogar sem sentir é bom para académicos ou para chatos.

Tudo isto porque ontem fui ver “Master and Commander”. Não é muito, muito bom. Mas serve para reavivar a memória. E para ver Russell Crowe, que, quer se goste quer não, não é nenhum Vin Diesel.
ando
a rua
as coisas em remoinho

o vento
ouvido
mão

ziguezague
a mulher
perfume

paro.

a gente
as folhas
o outono

o vento

o vento que não existe
patrão
o outono que morreu
patrão
a gente as folhas
nada nada que exista patrão

eu
o secador no cabeleireiro
as lágrimas
os autocarros

o vento

o fumo nos olhos
palavras velhas
o vento
saliva
buganvílias mortas
o vento
saias cortadas
o vento
lixo
o vento
céu
o vento
o vento o vento o vento

pare, patrão, cale-se
eu ando
a rua
o remoinho
você patrão não existe
não pode existir, eu digo
você patrão
é o vento
o perfume
o outono
o lixo
o céu

eu sou talvez o secador no cabeleireiro
ou então
cabelos no chão por varrer.
Não pretendo ser presunçoso nem fazer disto um edital de vaidades. Mas não tenho outro meio mais eficiente de avisar toda a gente que conheço. Amigos, fui um dos 3 vencedores europeus do nisimasa.
Um amigo de andanças antigas transformou isto em algo dele.

O sistema

O sistema estomatognático é extraordinariamente complexo e ambíguo e vice-versa querendo com isto dizer que resulta do etéreo relacionamento entre uma quantidade mirabolante de factores, capazes, em número, de encher a sala de aula do quarto piso às quartas feiras de manhã, sim, essa mesmo onde decorrem as lições de Oclusão, eternamente repletas de alunos enebriados da vontade matinal que caracteriza qualquer caçador de aves astuto.
O conceito de complexidade geralmente faz-se acompanhar do de sensibilidade e, de facto, muita gente o apregoa quando se refere à Articulação Temporo-Mandibular (LSD). No entanto este bendito sistema – objecto de controvérsias várias, sendo menosprezado por uns e sobrevalorizado por outros (é unânime que sem ele seríamos incapazes de roer as unhas e de pronunciar as palavra «cítara» ou «vila-franca») – tem uma fantástica capacidade de adaptação e há mais gente com posicionamento dentário incorrecto que conhecedoras das heróicas façanhas de Abraão e não é por isso que deixam de mastigar castanhas ou de lamber epitélios alheios.
Ora, esta capacidade de adaptação não será assim tão divina quanto isso (ai se Abraão me ouvisse!) e o que muitas vezes acontece é que o cede-aqui-cede-ali acaba num colapso doloroso.

O Hugo Ferreira foi colega dos bancos direitos da faculdade e também das cadeiras tortas da AAC (ou será ao contrário???). Das pessoas que conheço, é das mais entendidas e apaixonadas - no caso, a relação é evidente - sobre música, e por isso foi e é uma das figuras de proa da ruc. Aliás, graças aos conselhos e ao talento dele para organização de eventos, fui a alguns dos que viriam a ser dos melhores concertos da minha vida. E não posso esquecer que, com o Sérgio e o saudoso Zé Carlos Santos, formámos um bloco de humor... invulgar nos corredores da Associação. Mais alguém sabe como a Bacardi ganhou o seu nome nas planícies alentejanas?

O que é que o blog tem?

No blog, eu falo sobre o que me apetece, mas não como me apetece. Ou seja, eu falo de algo que, eventualmente, poderá vir a ter interesse para alguém, quanto mais não seja para mais tarde eu me rir de mim próprio. Haverá autocrítica mais divertida e, ao mesmo tempo, mais destrutiva do que aquela que se faz quando se lê uma redacção que se escreveu na escola primária? O blog serve para me historiar a mim mesmo, mas cumprindo uma (pequena, quase invisível, mas que está lá) responsabilidade para com outros, que dá o empurrão.

E esse é um assunto que nunca consegui evitar, o eu mesmo. Descobrir-se é fascinante. Como o exercício em relação ao presente, ao que se é, me parece uma questão bastante dúbia, enganosa, uma diversão fanada - mas eu falo com a fenomenologia d’ “A Câmara Clara” toda bem engolida... vou reformular. Não posso confessar que não me fascina a possibilidade de um dia me poder ler como quem lê uma personagem de ficção. Aceito: é uma fraqueza da minha parte, poder-se-lhe-ia chamar uma evasão da realidade. Mas, ao fim de contas, porque leio eu livros e vejo filmes? Para mais nada que não seja aquele sentimento de conclusão, de palavra dita, acabada, toda, no fim do que acaba. O filme e o livro permitem a certeza na emoção, uma geometria do sentimento. Sou mais desconfiado em relação às artes plásticas, que, para mim, são pequenos jogos, pequenas brincadeiras; respeito, leio-as, mas não as consigo sentir como minhas ou sentir-me parte delas. Entretanto, ponho a fotografia no meio, e algo há nela que me fascina tanto. Lá irei um dia.

No blog, posso falar de tudo, responsável e irresponsável. Espero que cada vez menos o leiam, embora me custe que as estatísticas estejam a descer, o que só significa que eu próprio tenho ido lá menos vezes. Menos pessoas a lerem-no significa mais liberdade, mas eu quero que se interessem.

Ou seja: uma pessoa não é uma certeza? Nunca acreditei nisso; eu sou uma pessoa. A contradição existe e fala.

O blog dá-me para estar em todo o lado a toda a hora. As pessoas podem ouvir-me e eu quero que sintam a necessidade de me ouvirem – mas não quero que tenham de me ouvir. Ou seja, eu quero que elas sintam a necessidade de ler tal como eu tenho necessidade de escrever. O sentimento delas e o meu devem ser absolutamente equivalentes, originais e únicos, vindos de dentro e de nenhum lado do de fora.

E há coisas que não posso pôr em mais lado nenhum a não ser aqui, e isso agrada-me. O blog ajuda a fixarmo-nos – a assumirmos algo do que somos - imediatamente. É destino supletivo para o pensamento órfão. É catálogo de devaneios e diletantismos. É uma colecção de emanações secundárias da alma. E isso não é mau. Uma vez, em relação a algo que aqui não vem ao caso, eu disse que os pormenores não interessam; uma amiga corrigiu-me – eles devem interessar, porque as coisas distinguem-se por eles, não pelo resto.

Pensando bem, não somos todos pormenores de pessoa?


Não faço julgamentos por antecipação (nesse aspecto, sou muito mais Rui Teixeira do que Manuela Moura Guedes), por isso tento ir ver tudo, mesmo tudo, desde que tenha alguma razão para ver, seja ela qual for, e o dinheiro não andar especialmente a fraquejar. Por isso fui ver “Era Uma Vez no México”, de Robert Rodriguez. As minhas razões eram simples: primeiro, há muito que não via um filme de Rodriguez (mesmo de “From Dusk Till Dawn” só apanhei um bocadinho de fim, numa vez que passou na televisão – começo a notar que isso é mesmo típico em mim...); segundo, queria ver como se continuava um dos (poucos) filmes que vi no cinema durante a minha adolescência (a 16 km, com os pais, numa pequena sala de província). “Desperado” foi, na altura em que o vi, algo muito divertido e que me serviu para compreender uma certa instrumentalidade da violência como componente do filme. De resto, no cinema nada é importante per se, e já Tarantino disse (e Jacinto Lucas Pires citou, na sua curta-metragem inicial – não me lembro, já fez mais alguma?...) que dizer que não se gosta de violência no cinema é tão ridículo como dizer que não se gosta de cenas de dança no cinema.

Estava preparado para aquilo que a sessão foi. O filme é fraco, muito fraco. As personagens, as histórias, tudo anda por ali perdido, à solta, como se o que realmente importasse fosse a violência, o baque do choque (e não o é realmente?). E a citação ao filme de Sergio Leone (ainda hoje estive a falar dele :“Yesterday” e Big Apple) está ali porquê? Será por causa dos achaques familiares de Banderas/”El”?

É engraçado, mas, apesar de tudo, há marcas autorais que perpassam, apesar de tudo. Ou seja, o filme não é um objecto completamente incaracterizado e tornado produto. A fixação de Rodriguez pela mutilação e pela relação do eu com o corpo incompleto está lá e, por isso, situar a batalha final na Festa dos Mortos não será despropositado. Ainda mais curiosa é a afirmação despudorada de um sentimento pátrio: os comentários em off e a relativa dose de denúncia social encoberta d’ “El Mariachi” corporizaram-se desta vez num Banderas salvador e garante da ordem democrática.

O que realmente dá ao filme o seu tom de coisa de pechincha, de plástico – de sequela feita à força -, e para além das histórias todas engastadas umas nas outras à bruta, é a perda da melancolia do primeiro mariachi. Porque era isso que lhe dava personalidade, era isso que não fazia dele um boneco a despejar balas de revólver sobre manequins. Também se perdeu a acrobacia de “Desperado”, mais a inverosimilhança que levava a que nos ríssemos de nós mesmos e da nossa absoluta capacidade para crer.

Então o que restou? Não sei. Um jovem Wittgenstein ficaria confundido a ver “Era Uma Vez no México”, porque ele existe sem nada dizer. Pronto, diz que tem o Enrique Iglesias. Mas como eu não gosto do Enrique Iglesias...
Li há pouco no "Público": faz hoje dez anos que um dos meus músicos preferidos morreu. Até um dos meus primeiros posts foi feito a ouvir um álbum dele. Que descanses em paz, Frank Zappa.

Ontem, dois filmes:




“Lenny”, de Bob Fosse. Na noite anterior, tinha-lhe visto o fim na rtp2 e fiquei com tal vontade de o ver (já tinha andado na net à procura de coisas sobre Lenny Bruce, julgo que na altura em que “Chicago” saiu e a filmografia de Bob Fosse foi relembrada – ou foi por causa de um artigo do Augusto M. Seabra sobre o espectáculo de Eric Bogosian no Porto?) que fui ao videoclube.
O que de “Lenny” ressalta é a atracção e a compreensão imensa do espectáculo por Fosse. É o que nos diz o segundo plano (o primeiro, um primeiríssimo plano dos lábios de uma mulher, remete-nos para a oralidade, que é o campo do stand-up por excelência – “don’t take my words away!”, pedia Bruce/Dustin Hoffman lá para o fim). O raccord faz-se com as palavras “Ladies and gentlemen, Lenny Bruce”, vemos uma silhueta por trás, o cotovelo apoiado no tripé do microfone como um homem que espera numa esquina. O foco de luz vira-se para ele, mas, como o vemos por trás, é na verdade para nós que ele se vira. Fosse põe-nos dentro do espectáculo, e põe-nos lá porque não tem medo de o fazer – está seguro em pôr-nos lá. Não digo mais, vão vê-lo também.





“Mystic River”, de Clint Eastwood. Não considero, como Ricardo Gross, que Eastwood seja o melhor realizador americano, nem contemporâneo nem de sempre. Mas achei o filme interessante e bastante próximo quer de “Imperdoável” – em ambos, a personagem principal sofre de uma tendência natural para a agressão e em ambos esse é um peso moral que evita qualquer tentativa de regeneração, porque regeneração é, ao fim e ao cabo, aceitar essa tendência – quer de (que ninguém se ria!!!) “Kill Bill”, já que também no último de Tarantino a violência é a matéria-prima e fundamental. A diferença é que Tarantino trata-a esteticamente como base para entretenimento, para circo, para B.D., enquanto que Eastwood, longe de ser irreverente, prefere ser naturalista, analítico, ou seja – como dizer? – prefere o humano ao desenho animado.
Fui ontem à tarde buscar as lentes de contacto à óptica. Para quem anda de óculos desde os seis anos – ou seja, há 17 anos -, é muito estranho andar na rua de cara descoberta. Ainda mais estranho ter de “aprender” a pôr e a tirar a ferramenta de ver.
Quantas vagas há ainda para um dinossauro óptico?


Só o consegui ver ontem (não passou em Coimbra?, se calhar, só no longínquo Girassolum...), mas antes tarde do que nunca.“The 25th Hour”, de Spike Lee, é um filme enorme que transforma situações quotidianas ou de forma já estandardizada em momentos originais que servem para definir o carácter das personagens, mesmo que sacrifique a verosimilhança (que é mais hábito do que adequação).

Tenho em mente os magistrais minutos em que os agentes da DEA descobrem droga em casa de Montgomery. Quem são aquelas pessoas? Porque não há logo uma bombástica cena de luta livre em que Montgomery assassine impiedosamente os malévolos agentes da autoridade que lhe vieram roubar a liberdade? Não a há porque não seria do carácter de Montgomery, que sempre fez o que fez e se tornou no que se tornou por vocação trágica, porque não poderia ser de outra maneira. O mundo actua na sua vida e ele está no mundo e as proporções em que cada um afecta o outro estão medidas sem hipóteses de alteração.

Ou seja, o filme, mais do que uma tragédia, é uma pós-tragédia. O desafio aos deuses foi feito, a felicidade enganadora existiu, a punição acorreu, e tudo isto é visto em flashback. Mas como se aceita o castigo, o que acontece depois? É nesta escolha do tempo dramático que o filme brilha, para além de na compreensão da narrativa como uma história dos conflitos entre pessoas (personagens? pessoas) antes de uma sucessão de factos no tempo. E tudo isto sem abandonar a temática de Nova Iorque (isto é uma história do dia-a-dia daquela cidade, entre muitas outras que se poderiam contar) e da Nova Iorque pós 11 de Setembro, tal como “Signs”, de Night Shyamalan, era um filme sobre a América (rural) do pós 11 de Setembro. Além do mais, e na minha modesta opinião, é o filme mais surpreendente de Spike Lee, aquele em que a mensagem (política), talvez porque não tão agressivamente mostrada, ganha mais força.
Durante o fim-de-semana (e foi esta a razão para a ausência de novos posts) estive em Lisboa. E, depois de já não ir lá há muito tempo, tenho algo para dizer.

Não é que tenha algo contra a cidade em si, ou seja, não quero dizer que não gosto de Lisboa. Mantive uma relação com alguém de lá o tempo suficiente para apreciar algumas das suas benesses e também algumas das suas desvantagens. Gosto muito da luz, das praças e das avenidas largas. Gosto do borbulhar, de estar parado num sítio alto a ver vida a acontecer.

Mas é triste ver a progressiva residencialização do Parque das Nações em detrimento da criação de um espaço social de lazer. É triste perceber a vampírica escalada dos preços (a noção de utilizar a cultura, a comida, os tempos livres: na capital, transformou-se a acção da vida na utilização dos instrumentos com que ela se faz). E é triste reconhecer o aburguesamento, os olhares mortiços; é triste ver a tristeza.

Não é que não goste de Lisboa, caro Sérgio. Mas Lisboa não me convence, porque parece sempre prometer-me mais do que aquilo que tem. Ou talvez seja a minha desconfiança perene a desgostar de onde não estou. A ver vamos.
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