dois pensamentos sobre televisão
("tributo" e carcavelos)
PENSAMENTO PRIMEIRO. O programa "Tributo", engodo inventado pela Rtp para encher chouriços na grelha à custa de semi-retirados célebres, até poderia ser tolerável se fosse honesto nas suas intenções. Mas, ao contrário do que um tributo deve ser (sendo que a garantia de uma prestação regular de tributos me faz alguma confusão, mas ainda assim), não há ali biografias em profundidade, esclarecimentos de pormenores, sucessos e fracassso menos conhecidos, seriedade na conversa. Ao contrário do que devia ser, neste programa o tributo vale mais do que o tributado. E, pormenor de requinte, no final o homenageado recebe um troféu. Deve ser por aguentar tanta parvoíce.
PENSAMENTO SEGUNDO. Por aquilo que compreendo, o roubo por "arrastão" em Carcavelos há dois dias consistiu num grupo de setenta a oitenta indivíduos - disse hoje a Rtp, mas já depois de se ter criado o mito de quinhentos - que começaram a correr e a agarrar em tudo o que podiam. Houve escaramuças, entre eles próprios e deles com a polícia, mas não vi ninguém a queixar-se de ter sido agredido (o comunicado do presidente da Câmara de Cascais dá a entender o mesmo). Aliás, pelo que se disse, houve só três feridos ligeiros: um guarda, uma senhora que se cortou numa garrafa e uma rapariga que levou uma cacetada de um polícia por engano.
Hoje à noite, as televisões foram ao directo a Carcavelos, que foi assim a praia mais vigiada do/pelo país. Foram também a Quarteira, onde dez tipos (novamente, número confirmado pela Rtp depois de um inicial cinquenta) roubaram três pares de calções numa loja e depois foram identificados pela polícia na praia. Um foi detido porque deu "um murro na mão e um pontapé na perna" ao guarda. Quase um terrorista. Isso não impediu os repórteres de perguntar às pessoas se se sentiam inseguras, de realçar que nada será como dantes e de lamentar como foi para esquecer o dia do arrastão de Carcavelos.
Pois eu proponho um exercício diferente. Lembremo-nos. Lembremo-nos para sempre do arrastão de Carcavelos como o dia em que as pessoas - as pessoas - que foram sistematicamente empurradas para fora da grande cidade, para os bairros sociais ou de lata, para os longes da vista e do coração, como o dia em que elas mostraram que existiam àqueles que as mandaram para lá e sempre estiveram demasiado ocupados para se lembrarem delas. Lembremo-nos do arrastão de Carcavelos como o momento em que um fantasma se torna carne, em que o racismo encapotado arranja justificação para existir, em que o preconceito ganha uma razão cuja causa é, por acaso, o próprio preconceito. Lembremo-nos do arrastão como a vingança dos putos postos à parte, que não aparecem em telenovelas da Tvi, acostumados a ouvirem "não podem entrar aqui assim vestidos" dos mesmos que lhes impõem a porcaria das coisas caras e de marca como o símbolo do estatuto a que nunca os deixarão chegar. Lembremo-nos do arrastão de Carcavelos como o momento em que a bomba social que uma sociedade burguesa, balofa, urbana, maricas, pálida e com problemas de bexiga espoletou e deixou rebentar nas próprias mãos. Lembremo-nos do arrastão de Carcavelos como exemplo de que não se governa para os mais desfavorecidos que delapidam a segurança social, mas para os mais ricos que pagam impostos, como se não fizessem todos parte do mesmo país, da mesma sociedade, como se não partilhassem a mesma coisa pública. Lembremo-nos do arrastão de Carcavelos como a maior das psicoses de praia depois da falsa onda gigante no Algarve aqui há uns anos. Lembremo-nos de tudo isto e percebamos que em Carcavelos aconteceu mais do que setenta putos a roubar. Aconteceu a merda de uma sociedade a vir à tona da água morta e suja em que ela não sabe deixar de se afundar.
PENSAMENTO SEGUNDO. Por aquilo que compreendo, o roubo por "arrastão" em Carcavelos há dois dias consistiu num grupo de setenta a oitenta indivíduos - disse hoje a Rtp, mas já depois de se ter criado o mito de quinhentos - que começaram a correr e a agarrar em tudo o que podiam. Houve escaramuças, entre eles próprios e deles com a polícia, mas não vi ninguém a queixar-se de ter sido agredido (o comunicado do presidente da Câmara de Cascais dá a entender o mesmo). Aliás, pelo que se disse, houve só três feridos ligeiros: um guarda, uma senhora que se cortou numa garrafa e uma rapariga que levou uma cacetada de um polícia por engano.
Hoje à noite, as televisões foram ao directo a Carcavelos, que foi assim a praia mais vigiada do/pelo país. Foram também a Quarteira, onde dez tipos (novamente, número confirmado pela Rtp depois de um inicial cinquenta) roubaram três pares de calções numa loja e depois foram identificados pela polícia na praia. Um foi detido porque deu "um murro na mão e um pontapé na perna" ao guarda. Quase um terrorista. Isso não impediu os repórteres de perguntar às pessoas se se sentiam inseguras, de realçar que nada será como dantes e de lamentar como foi para esquecer o dia do arrastão de Carcavelos.
Pois eu proponho um exercício diferente. Lembremo-nos. Lembremo-nos para sempre do arrastão de Carcavelos como o dia em que as pessoas - as pessoas - que foram sistematicamente empurradas para fora da grande cidade, para os bairros sociais ou de lata, para os longes da vista e do coração, como o dia em que elas mostraram que existiam àqueles que as mandaram para lá e sempre estiveram demasiado ocupados para se lembrarem delas. Lembremo-nos do arrastão de Carcavelos como o momento em que um fantasma se torna carne, em que o racismo encapotado arranja justificação para existir, em que o preconceito ganha uma razão cuja causa é, por acaso, o próprio preconceito. Lembremo-nos do arrastão como a vingança dos putos postos à parte, que não aparecem em telenovelas da Tvi, acostumados a ouvirem "não podem entrar aqui assim vestidos" dos mesmos que lhes impõem a porcaria das coisas caras e de marca como o símbolo do estatuto a que nunca os deixarão chegar. Lembremo-nos do arrastão de Carcavelos como o momento em que a bomba social que uma sociedade burguesa, balofa, urbana, maricas, pálida e com problemas de bexiga espoletou e deixou rebentar nas próprias mãos. Lembremo-nos do arrastão de Carcavelos como exemplo de que não se governa para os mais desfavorecidos que delapidam a segurança social, mas para os mais ricos que pagam impostos, como se não fizessem todos parte do mesmo país, da mesma sociedade, como se não partilhassem a mesma coisa pública. Lembremo-nos do arrastão de Carcavelos como a maior das psicoses de praia depois da falsa onda gigante no Algarve aqui há uns anos. Lembremo-nos de tudo isto e percebamos que em Carcavelos aconteceu mais do que setenta putos a roubar. Aconteceu a merda de uma sociedade a vir à tona da água morta e suja em que ela não sabe deixar de se afundar.
3 Comentários:
"Um foi detido porque deu "um murro na mão e um pontapé na perna" ao guarda. Quase um terrorista."
E não é um terrorista??? A polícia não pode tocar nas pessoas, mas as pessoas podem dar murros e pontapés...
"Foram também a Quarteira, onde dez tipos (novamente, número confirmado pela Rtp depois de um inicial cinquenta)"
Acho que um autocarro que sai de Lisboa carregado com pessoal que passa a noite numa discoteca do Algarve a causar disturbios e depois vai para a praia..., na minha opinião não é para se bronzear.
E um autocarro leva 30 a 50 pessoas....
"mas não vi ninguém a queixar-se de ter sido agredido"
Acha mesmo que os agredidos aparecem na TV a mostrar a cara?
Meu caro, você tem muito que aprender sobre polícia...
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