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Quando J. pára para pensar nas coisas, lembra-se sempre das caras dos amigos a sorrir. E pensa que fez bem em voltar à terra natal no outro fim-de-semana para ver o bem que fez o primeiro amigo a ser pai, e como gostou de o ajudar a carregar o carrinho das filhas enquanto elas dormiam como dois anjinhos, e rir-se com o resto da malta que, por umas e por outras, vai envelhecendo, ou talvez só queimando os cartuchos, ou talvez só mudando.

J. lembra-se de ter lido coisas em livros que não recomendaria a ninguém (do Luc Ferry, por exemplo, e fiquemo-nos por aqui) que, ainda assim, vai considerando cada vez mais correctas. Como a parábola budista que moralizava para se aceitar a permanente mudança da vida. E J. pensa: uma pessoa, sempre o mesmo nome, e, ainda assim, incapaz de se pôr à frente do acaso. Que merda, ou não?

Esta semana, a mãe de um amigo de J. morreu. J. não pôde ir à terra natal (a outra, a primeira) para lhe dar um abraço. Telefonou-lhe, mandou-lhe um abraço, desejou-lhe força. E, quando desligou, pensou que, por mais compaixão que tivesse pelo amigo, por mais pena que tivesse por já não se verem há vários anos e por ter sido necessário o Mal acontecer para que o contacto fosse feito - ainda assim, J. não deixou de pensar que metade do seu sentimento se deve ao facto de ter passado muito bons tempos com o seu amigo quando era adolescente e de isto os ter feito mais diferentes, ou seja, cada vez mais separados do que já foram.

Não basta descobrirmo-nos uma vez, pensou J., temos de nos estar a descobrir sempre ou talvez desistir dessa merda que não ajuda ninguém. Mas, pelo sim, pelo não, J. ainda foi recuperar a cópia do "A Grief Observed" do CS Lewis que tinha consumida num canto da estante. E reparou, com alguma dose de surpresa, que tinha marcado as páginas do livro com um postal promocional do "Wilbur Quer Matar-se".
Neste dia em que se acabaram os campeonatos de mergulho em Guantanamo, ponderosos assuntos me preocuparam. Há dias, por questões de trabalho, tive de ir a Sesimbra e, dada a proximidade de Setúbal, pensei que a pequena vila piscatória estaria a pulular de chocos fritos em diversas formas, feitios e estados de frescura. Qual não foi o meu espanto quando reparei que, nos diversos menus que os mais variados e economicamente transversais restaurantes penduravam à porta, choco frito nem vê-lo. Bitoque, sim; carne de porco à alentejana, sim; bacalhau assado, claro; mas choco frito, nada. Ora, eu tenho um fetiche com o choco frito desde que, em conversas de universitários rascas com um colega de Setúbal a quem afectuosamente chamava Badocha, ele não se fartava de gabar as virtudes desta refinada iguaria, que enquanto snack considerava superior à afamada, nortenha e continental francesinha. A minha única real tentativa de o comer (o choco, não o meu amigo), no parque de campismo de Porto Covo há anos (repito: o choco), saldou-se numa semifrustração de o considerar demasiado semelhante ao calamar, mas sem a certeza de poder confiar naquela versão apressada de esconsa cantina. No dia seguinte à desilusão de Sesimbra, almoçando com um amigo que me ia dizendo que deveria ter esquecido o choco frito e avançado para o espadarte, reparei que, por incrível coincidência, a lanchonete onde costumo almoçar servia o petisco para almoço. Pedi - e, mais uma vez, ficou aquém. Ainda assim, a falta de certeza persiste. Devo insistir no choco frito ou deixá-lo seguir em paz no seu oceano de três ás girassol? Estas são as coisas que hoje me preocuparam, mas, pelo menos, agora a Ani DiFranco pode realmente cantar (na que durante anos foi canção oficial deste blog) que Bush não é presidente.
À medida que o tempo passa e a minha estadia em Lisboa vai tomando formas, as idiossincrasias saltam à vista como golfinhos no Tejo, e não me refiro só o facto de o primeiro empreiteiro do burgo ter sido semideus. Considerando somente a fauna humana, é giro reparar na comovedora incapacidade dos lisboetas para comunicarem. Dementes em transportes públicos, crianças enlouquecidas, condutores irados: o somatório de palavras que nesta cidade acertam ao lado da intenção de quem as soltou ao vento é imenso, e nem conto os plenários da Assembleia da República. Parece-me que isto é explicativo de vários pormenores que enformam o conceito olisiponense. Atentemos nas buzinadelas. Um homem que perde a virilidade pode procurar substituto num carro topo de gama, sim, mas se não consegue dizer o que lhe vai na alma poderá fazer algo mais do que buzinar? E os Santos Populares, o que são eles senão um combate anual de gabarolice entre os bairros lisboetas, tipo rappers ao despique mas com quadras e manjericos? Comparando com a minha primeira terra, Monção, em que a vontade de falar é galegamente pouca, e com a segunda, Coimbra, onde todo o falante é um bêbedo, Lisboa é toda uma Psicologia. E se calhar já falei demais.
Vendo Cristiano Ronaldo a vencer o prémio FIFA, não posso deixar de me perguntar como não emergiu ainda o boato online de que ele terá morrido no acidente de automóvel que teve no outro dia e sido substituído por um sósia exactamente idêntico em tudo, principalmente na tessitura e na modo de fazer soar o instrumento baixo. Aposto que se passassem o discurso de aceitação de trás para a frente, ouviríamos algo como "penso que... Cristiano is dead". Ou talvez a entrevista de Alberto João Jardim a Mário Crespo. Sotaque madeirense, sim, mas muito, muito retorcido. Isso explicaria o riso monalisíaco de Pelé. Se um açoriano é um alentejano que aprendeu a nadar, um brasileiro pode ser um madeirense que aprendeu a pau-brasilar. Também apreciei a dedicação do prémio ao povo português a quase pedido do jornalista Noé Monteiro. Pode-se mostrar a cenoura ao burro para ele andar, mas também lha podemos atirar á boca para estar calado.

o nande e a crise

Por causa dessa história de crise que serviu para alguém tomar fôlego na procura de um apocalipse diário e que enformará os trejeitos de contar as glórias do mundo nos meses que se seguem, andou tudo à minha volta a perceber exactamente o que vai acontecer. Tive, e continuo a ter, uma dose de peripécia no meio deste exercício de Nostradamus e, confesso, temo o momento de encarreirar no stress, mas a meteorologia está adversa e tremer de frio e de nervoso miudão ao mesmo tempo é remédio certo para o caixão.

Consultando "crise" no dicionário, é verdade que lá está a acepção económica de "rápida descida dos preços, do volume de produção ou dos rendimentos" ou a variante "crise de nervos/crise emotiva" enquanto a "descarga emotiva brusca que, na sua forma mais grave, é caracterizada por um sentimento de angústia seguido de tremores ou de rigidez muscular, de gritos ou de gemidos, e que termina por um acesso de soluços espasmódicos". Mas isto não foi nada que os DZRT não tivessem visto ainda dentro do seu prazo de consumo, e o que sabem os DZRT da vida? Ainda encontramos a definição "situação difícil do Governo, que o obriga a recompor-se ou a demitir-se", e lembramos que a queda do de Santana Lopes não precisou de uma casca de banana para ser bem divertida. Porque não havemos de rir hoje também? Talvez porque, segundo dizem, é a Esquerda que se tem de recompor enquanto o Governo faz cálculos e marca datas no calendário. Desse ponto de vista, o que temos não é crise, mas outra coisa qualquer (como este blog, aliás, que ganhou esse sufixo neste momento de crise). Ainda assim, o que me parece mais surpreendente é a definição mais próxima da etimologia grega: "alteração que sobrevém no curso de uma doença".

Assim, crise não é apanhar a gripe, mas recair. Não é torcer o pé, mas senti-lo doer quando vem chuva. Não é quebrarem-nos o coração, mas percebermos que não somos mais que nada por causa disso.

Para termos "crise", já tínhamos de estar doentes. Nada mal para momento de luzidez global, mas a porra da vida não pode ser só isto. Assim, proponho que, em vez de assassinarmos esta tal crise como hunos famintos, a acolhamos carinhosamente nos braços e a misturemos com corno de elefante - sim, corno de elefante. Obteremos então um resultado "criselefantino" - ou seja, "feito de ouro e marfim". Sei o que todos vós, economistas, membros do Governo, estão a pensar: e onde arranjar corno de elefante? Não há-de ser difícil - falem com o professor Karamba. Eu ajudava, mas sou ecologista.
Durante três meses, o Barry Champlain insultou os leitores. A minha ausência deste espaço deveu-se a duas circunstâncias. Por um lado, perdi a utilidade para ele quando deixei de ter o que nele dizer. Estar em frente a um computador o dia todo a tentar escrever para além da alma esgota-a de significados com valor e levou-me a colocar a questão: faço isto para quem? O que pode alguém ganhar com o que aparece no blog? Como resposta, o vazio. Concluí de que não estava a gostar de ser leitor de mim próprio, tal como o Champlain, que não aguentava mais ouvir-se, não conseguia suportar uma multidão invisível que o queria ouvir.

Sem que assim fosse, nada me obrigava a continuar. Comecei a escrever online porque, influenciado pelo Francisco José Viegas, andava fascinado com a descoberta daquilo que se podia e não se podia escrever num blog, mas isso foi conversa de há cinco ou seis anos. A possibilidade do blog enquanto meio e formato específico, aquela que me foi dando gás para ir fazendo experiência atrás de experiência e me fortalecer o músculo do qwerty, acabou por se perder para mim e redundou em semanas de textos "de sobrevivência", em que fui aguentando talvez mais pela vaidade de não querer admitir que tinha para dizer neste sítio estava esgotado.

Por outro lado, como se anda por aí a dizer, já ninguém se importa. Não houve elegias por este hiato, primeiro porque me escapuli a esse género tão popular que é o post de bloguicídio e, segundo, porque há tanto mais para ler que só um ego muito grande ou que acha que lhe devem alguma coisa as poderá presumir. Eu próprio, por questões laborais, sigo mais de 500 blogs e não tenho pejo de admitir que é normal perder-me em nuvens de RSS. Estava, e ainda estou, farto. Apeteceu-me recomeçar e tantar voltar a perceber o que é que pode ser escrito aqui.

Desejei que o número de visitas descesse ao zero, mas cinco anos são cinco anos e isso o Google não deixava. Não tive saudades. Felizmente, todas as minhas tentativas de fazer disto um espaço para escrever por obrigação falharam. Mas hoje, reparando que passavam três meses de paragem, comecei desinteressadamente a mudar o template e apercebi-me que o estava a pôr próximo do que foi no início. E então escaparam-me as palavras que estão agora a ler.

Não prometo regularidade nem nada. Este texto, na verdade, foi mais para mim do que para vós. Uma declaração de intenções de puro gozo. Enquanto o tiver, continuo. E é tudo.
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