Este blog está encerrado.

O autor continua a publicar em http://jvnande.com.

Se quiser ler uma selecção de textos, clique aqui.

o filme

Sim, espero bem que este filme estreie cá em festivais, apareça no Y, Blitz e quejandos e torne conhecido em Portugal o enorme artista que é Daniel Johnston.

a liberdade de expressão 4

Para acabar com a conversa dos cartoons neste blog:

- Considero que o Jyllands-Posten, ao publicar os cartoons de Maomé para "testar as fronteiras da liberdade de expressão no islão", tomou uma atitude insensata, de puro sensacionalismo e que, numa sociedade que se quer tão tolerante como livre, deve ser vista como expressão de brutíssima bronquice.

- Considero que o facto de o jornal ter salientado em editorial o facto de a figura representada ser Maomé (com a consciência do dogma islâmico da proibição da representação deste) e que a sua atitude em encomendar cartoons ofensivos são muito pouco defensáveis, pois esgotam-se na mera ofensa.

- Considero que a destruição de propriedade privada e de instalações admnistrativas de países estrangeiros é justificável em casos de extrema opressão, mas nunca em abstracto.

- De nenhum modo se pode considerar que, na sequência deste caso, tenha ocorrido uma extrema opressão daqueles que destruíram embaixadas estrangeiras e outra propriedade privada e coagiram, física ou moralmente, terceiros em reacção à publicação dos cartoons. Essas destruições e coacções devem ser vistas como expressão de brutíssima bronquice.

- A incapacidade de distinguir entre uma publicação intencionalmente ofensiva e uma publicação meramente informativa dos cartoons deve ser vista como expressão de brutíssima bronquice.

- Seja como for, é necessário questionar aquilo que nos é mostrado (numa reportagem da RTP sobre manifestações da comunidade muçulmana em Moçambique, vi queima de papéis, berreiro e uma série de actos de espectáculo semelhantes, mas houve mais agressão quando, há dias, o Telejornal passou uma peça sobre os reembolsos aos comerciantes da extinta Feira Popular).

- Quando os ânimos estão exaltados, a expressão livre tem de lutar tanto contra quem não a quer como contra quem a esbanja. Eu tento ser sério e expresso-me livremente. Tenho menos a perder com quem se expressa livremente e não é sério do que com quem não quer que eu me expresse livremente, é verdade, mas também tenho a perder com o primeiro, porque a sua acção aumentará a dúvida sobre a seriedade da minha liberdade de expressão, desse modo diminuindo-a.

- A defesa duma restrição legal da liberdade de expressão deve ser vista como expressão de brutíssima bronquice.

- Sobre o bom senso: há dias, via o Prós e Contras sobre o assunto, Vasco Rato teimava com Ângelo Correia e eu pensava "e se Ângelo Correia se levantasse neste preciso momento, atravessasse o cenário e, para surpresa de Vasco Rato, se sentasse na mesa deste, apoiando os pés na sua cadeira?". Há algo na lei que o proíba? Nem por isso. Não ofenderia gravemente Vasco Rato, poderia até nem sequer tocar-lhe. Ângelo Correia tinha, enfim, essa liberdade. Mas, se o móbil dessa atitude fosse testar as fronteiras da liberdade de movimento de Vasco Rato, seria sensato? Não me parece.

- Utilizar o bom senso para justificar o abafamento de coisas que devem ser ditas deve ser visto como expressão de brutíssima bronquice.

- Os cartoons não ultrapassam um limite da liberdade de expressão (e, por isso mesmo, não adianta de nada estar a centrar a discussão nela neste ponto concreto) - simplesmente, falham o alvo que se propuseram ("testar..", etc, etc). Ou, então, acertam-no em cheio e isso torna-os meio perfeito para a expressão de brutíssima bronquice.

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 10, 11 e 12

Muito trabalho nos últimos dias, muito nos dias que se avizinham, por isso, deixo-vos os últimos três Acertos Veniais. O primeiro é a minha tentativa de um poema livre, em escrita quase-automática, que fosse também próximo de odes triunfais e quejandos (na versão original, que não consigo transcrever para aqui, há setas a apontar para os versos "Puf! Descansem sem vontade!" e "Cambada, é clareirar pró comboio!"). O segundo é um soneto (o meu primeiro, também) em tom pseudo-místico, que se alarga ao terceiro poema, fundamentalmente uma experiência formal (quadras de três heptassílabos e um octossílabo).
10

Criação de um vazio grotesco de entranhas gargantuescas;
É o radical da minha esponja: uma espinha musguenta e andrajosa de verde podre,
Quebradiça com o nauseabundo que corre-me.
Quero tudo caído que faça crostas!
Facas, cavalos e ostras falidos nos rochedos da gaga...
Estoiro e sou tudo – impludo e sou.
Faço tudo de adeus!
Avanço sem querer frontal!
Talvez, ah ah, fazer-me abaixo de tectos secos, de madeira puída e estradas com vapores salgados.
Ou dobrar-me em estrangeirismos e abraçar o coriáceo de mim em pedaços pequeno?
Puf! Descansem sem vontade!
É tudo dorido, dorido... Agh, como dói saber coisas más,
Que são más só por doerem.
Mil caralhos abanicam em gargalhos à tua volta,
Mas
Nada mais
fazes
Para não os cambar.
Era mulher tropeçares em sapos magricelas,
Rainhas severas,
Carrancas esbolachadas com caninos coelhos
E cães entalados
em canis polposos.
Cambada, é clareirar pró comboio!
A espinha comicha – coço, coço, coço, ih, ih, ih, ih,
Ai, que já sou velho enterrado...
Fogo amarelo e verde - olha a janela, vês ou não?
Cadeiras castanhas sempre, ou a guerrilha ataca com todos os ches esqueletos – deglutidos, deglutidos!

Fodam-se os pés de areia polidora

Cru carreiro, crato em guerra, Afeganistães carneiros,
Cordas estranhas, caules insectos, cadências em tudo que
são-nos nada,
Donas e flores em sangue na cozinha...

Nuvens expulsas do meu fino dorso frio como coisa nenhuma.


11

Agir pelo pensar é enfadonho.
É tanto um abandono impessoal
Que é como pacificar-se num sonho,
Ocultar-se numa bruma mortal.

A vontade é as explosões orgânicas
De bodes desgrenhados que só querem
Rebolar-se em ocas fogueiras frânticas
E rir loucuras enquanto se ferem.

Os exageros de excessos maléficos
São excessos de más sobriedades;
Nós, os andantes pardos e caquécticos,

Descansamos, inúteis, em verdades
Conhecidas do que não nos lembramos,
Mas que nos brilham enquanto as amamos.


12

Há rodopios na lua.
Dançam pós vivos no sal.
Quando está a alma nua,
Faz uma estrela grande mal.

Acima de erva viçosa,
Unida ao vento sombrio,
Ela aparece, briosa,
Brincando na água dum rio.

Olha pra baixo a sorrir,
Desce e aguarda-me a mão.
Logo começa a fugir...
Arisca, travessa paixão!

Envolve-se na floresta
E ri, avivando o mundo;
Ressoam cordas de orquestra
Dalgum ignoto azul profundo.

Com lágrimas impossíveis,
Persigo a astral adorada,
Por risos incompreensíveis
E alegrias sublimada.

Afinal, encosta-se ela
A um tronco primordial.
Aparece-me tão bela...
Maldito o bem que faz tão mal!

Maldito? Não será assim...
Acerco-me, vagaroso,
Com vergonha desse fim
Tão consumido e desgostoso.

A estrela espera-me, queda,
Rindo sempre com alvura.
Mas eis que, ao abraçá-la,
Ela some-se – por ser pura.

Incauto, enlaço galhos
Que, ásperos, me acordam.
Na memória, grandes malhos
Tudo de nada me recordam,

E, levantando a cabeça,
Vejo a estrela e penso em Deus,
Que não deixa que eu mereça
O que me mira lá dos céus.

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 9

Não consigo deixar de sorrir quando leio "é bolo isto". Foi talvez a minha primeira imagem que diz exactamente o que quis dizer.
Estou ameno em mansidão sem estar

Flutuo bem no voo pelo nada denso de tudo.
Que vazio bom o que eu sinto...
Que leve... leve... leve...

Sei de arrepio que cairei,
Escaqueirado no chão de lascas, como um cão faquir!
Cortado quando fazia capitais e coisas fabulosas no ar,
Traído com o gelo escarninho de um trapézio mal laminado
para algures num tempo macarrónico!
Mas, por agora,

Venho a pairar ao sabor do escuro,
E é bolo isto.
Palavras burlas são ares amenos,
Lembranças calmas de nada tépido.
Pairo... pairo tão belo...
Esqueço que não me sei, e não me sei...
Vivo para não ser
E não ser neste adeus...

Ao que há-de vir.

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 8

"Restos fétidos de abortos glúcidos" será mais uma daquelas expressões que um autor jovem remete para uma longa cerveja no Inferno do estilo.
Um remoinho sou eu,
                          todo.
Inspirado em girândola para um furo escuro e mudo
Enquanto,
À minha volta, giram
Os restos fétidos de abortos glúcidos.
Que nunca me largam,
Escolhos desaproveitados num tufão riscado.
Queria respirar, e...
Descansar dos ventos eternos que entranho.
Por favor,
Uma amnistia, Lá, Do alto,
                          da liberdade indagadora de importâncias recém-casadas.

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 7

Podia dizer muito sobre este acesso de trevas, mas, se calhar, basta dizer que nunca mais escrevi algo assim. As exclamações, o "rechupado"...
«Morre», digo-me eu.
A morte é tão segura,
Tão suave...
Se me bebericasse com os seus lábios purpúreos...
Sem ruído ou palavras amolecedoras e caídas.
Só me absorvendo naturalmente
Como a um fumo.

A vida é gorda e pesadona,
Sempre inclinada, ou para a frente ou para trás...
Tudo o que quero conheço.
Não quero menos o que só conheci.

Abaixo o eu que me repete!
Pior, me enoja em repetir!
Quero a morte que me leve!
Sem o saber, rechupado me partir!

a editora

A nova editora do valter hugo mãe já tem blog.

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 6

O meu primeiro poema de matriz essencialmente sonora. Os versos estão separados uns dos outros para reproduzir a espera, a suspensão, entre os pingos.
A água pinga da calha.
Velha e cega a parede que rega.
Visgo que mal embaralha.

O céu é castelado.
Ameaçador governante e goche semblante.
Fez-se já pingado.

Húmido por dentro.
Estar-se quedo num frio credo.
Irresistir é um tormento.

Em caracol se espalha.
A casa em fecho de adeus por seixo.
A água pinga da calha.

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 5

Mais uma vez, a morte, desta feita na imagem do mundo como um cemitério. Algo curioso: o "círculo" foi algo que, volta e meia, me apareceu em poemas, mesmo que a construção dos mesmos não seja circular.
Deitado no jazigo do éter
Ergo-me, em círculos pensado.
E enquanto os meus olhos, rebeldes, saem,
Caem-me as pernas no meu sepulcrado
E relaxado torpor moribundo.

Pelas cruzes abandonadas vagueia-me o olhar perdido.

Batido no andar que não é meu,
Descanso nos abutres que rondam
O olhar que me pertence ou não.

o livro electrónico

Um post muito interessante do Engrenagem, com bons links. Concordo na substância, se bem que ponha algumas reservas quanto à intensidade da substituição do livro impresso...

a liberdade de expressão 3

Agora, cabe perguntar: já não se previa? Exactamente o que pretendia o Jyllands-Posten? Peço desculpa, mas para defesas preventivas de valores elevados e que delas só saem diminuídos já bastou esta merda! Anda para aqui tudo a brincar às pilinhas maiores ou quê? Já não aguento esta treta de gente estúpida que se deixa que mande no resto da malta, estes Bushes e estes Ahmadinejades e estes terroristas e estes bacocos de burocratas nas repartições públicas e os engravatados todos das merdas das grandes empresas e das grandes famílias que julgam que o sol nasce e se põe no cu branco do patriarca. Estou farto da merda da estupidez nesta porcaria, das pessoas sem dinheiro que se metem no crédito como na droga para meter inveja ao resto da família, estou farto deste mundo sem cérebro, pernas magras, barriga gorda. Não sei como agir no meio disto tudo, um tipo tenta resistir, manter-se incorrupto, e leva, e leva, e vai-se a ver está como o Michael Douglas, Um Dia de Raiva, enfim. E depois? Em que vai dar isto? As embaixadas ocidentais no Oriente e as orientais no Ocidente, todas criminosas, todos iguais uns para os outros, e quem é que se fode? Quem é que vai pegar em armas e manchar as mãos em sangue humano por causa da merda de uma estupidez sem nome, sem tempo, sem cara?

a passagem

Hoje, enquanto arrumava livros, reencontrei os Contos de Vergílio Ferreira, onde, no conto “A Galinha”, está o par de parágrafos mais grandioso que alguma vez li:
E chegada a coisa a este ponto, era a altura de se formarem partidos, como sempre que há uma razão para se formarem partidos. Velhos ódios, invejas e ciúmes vieram ao de cima para um ajuste de contas. No domingo seguinte, já com vinho a empurrar, houve mesmo facadas. O Corneta tinha com o Catrelha uma questão de águas de há séculos e aproveitou. Os partidos subdividiram-se assim em grupos pelo Catrelha e pelo Corneta. Foi quando o Bóia, que não gramava o Capador desde a história de um porco mal capado, adiantou na taberna que as galinhas possivelmente tinham sido trocadas por ele, que não gramava o meu tio desde uma história de mordomia do Mártir S. Sebastião. O Carapanta ouviu e foi dizer. Num outro domingo, e já entusiasmado de briol, o Capador pediu satisfações. Armou-se então um arraial cujo balanço deu três feridos com facadas, dois à paulada e um morto com um tiro de caçadeira. E desde então toda a aldeia ficou em pé de guerra. Metade da população foi metida na cadeia, mas depois de muitos interrogatórios não se passou daquilo que já se sabia e era quem tinha ficado ferido e quem tinha ficado morto. De modo que se reconstituiu a população com a libertação dos presos. E dado isso, recomeçou-se outra vez. No domingo seguinte, melhorou-se o saldo com dois mortos e vinte feridos. Veio a guarda e levou a outra metade da população com um ou outro elemento da primeira metade. Mas não se melhorando o resultado das investigações, uns dois ou três meses depois voltou tudo para casa, até porque a metade que ficara livre ia continuando o trabalho, com um saldo, aliás pouco brilhante, de cinco feridos e um moribundo. Trocadas as metades e recomeçadas as investigações sem resultado, houve quem propusesse meter tudo na cadeia. Mas havia o problema dos velhos e das crianças, que precisavam dos outros e talvez estivessem inocentes, e veio tudo outra vez para a rua. Mas agora, aos domingos, a aldeia ficava coalhada de guardas. A princípio deu resultado, porque nas discussões não se passou de palavras. Até que certa vez uma pedrada anónima acertou em cheio na cabeça de um agente e logo se armou uma sarrabulhada enorme, com gritos, gente a fugir e tiroteio para o ar. E como a dada altura as pedradas recomeçaram, o tiroteio recomeçou também, mas mais baixo. O saldo dessa vez foi francamente positivo, com cinco mortos e vinte feridos. E como a luta continuou, alguns habitantes, que não podiam estar à espera de que acabasse, foram morrendo de morte natural. E como havia intervalos na luta com a autoridade, alguns habitantes aproveitavam para irem entre si acertando contas em atraso.
Verificada a certa altura a insuficiência da guarda, veio a tropa. Primeiro a infantaria, depois a cavalaria, esperando-se depois a artilharia. Reduzida a população a metade, também as habitações, talvez por serem desnecessárias, ficaram reduzidas a metade. E quando finalmente os combatentes rarearam ou sucumbiram a uma imprevista cobardia, a luta cessou. E acabada a luta, recomeçou a paz. No meu balanço pessoal verifiquei a morte de meu tio com três facadas a uma esquina e a morta natural de meu pai, que aliás cumprida a sua missão no barulho, se reformara logo a seguir. E alguns anos depois de se fazerem as pazes, morreu minha mãe.

a loucura

Pensamento enquanto escrevia o último post: “anda para aí tudo a discutir as críticas aos livros de amigos, e eu aqui, a soltar-me em desancanço sobre os meus poemas velhos”. Devo estar mesmo doido. Íntegro, mas doido.

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 4

Ora bem, é claro que, numa colecçãozinha adolescente de experiências poéticas, não podia faltar uma lamechice em tom de análise psicológica. Apóstrofe romântica (de Romantismo), morte para aqui, loucura para ali, a maiúscula estratégica, a desarticulação que complica o que é simples (“sei que mal irás saber o conhecer”), está aqui tudo, meus amigos.

Por ti, vazio,
Ao amado indeciso fujo.
Apagado e nulo me refuljo, e
Entro no teu que aquece o rio
Dum adeus sem fim ou mar.

Em ti, morto,
Abro os olhos e vejo um porto
a fluir e a ondear.
No coro triste e rouco
Que não me sabe bem cantar,
Morro, tão absorto,
Que me fecho, bem mais louco,
Em ti, no meu fechar.

E tu,
Cheia de ti pouco sabes
De quem o teu Não já saudou.
A mim não me vês, e,
Do meu fundo, fixo, sei
Que mal irás saber o
Conhecer de quem eu sou.

a liberdade de expressão 2

Por outro lado, é curioso como ninguém ainda pegou no caso das actrizes que a herança Beckett queria impedir de fazer o "À Espera de Godot", o que, convenhamos, é muito mais estimulante para uma discussão sobre liberdade de expressão (a do autor vs. a do intérprete).

a droga

Este clip sobre soldados ingleses em que se testava o LSD deu-me para rir. Não tanto como a eles, evidentemente.

a liberdade de expressão

A liberdade de expressão não serve, não pode servir, para dar lições de moral. O diário dinamarquês Jyllands-Posten convidou cartoonistas a caricaturarem Maomé para "testar as fronteiras da liberdade de expressão no islão". Podia fazê-lo? Claro que sim. Foi sensato fazê-lo (e esta pergunta tem por trás todas as diferenças óbvias na tradição de representação do profeta islâmico)? Não, não foi. O facto de o debate ter sido centrado desde o início na liberdade de expressão não me impede de dizer que a liberdade de expressão é o que menos aqui importa. O jornal dinamarquês utilizou uma técnica sensacionalista para captar atenção: repare-se que a intenção era retratar Maomé. Mas quem o investiu na qualidade de paladino da liberdade de expressão? Foi arrogante, ponto. Volto a dizer: podia fazê-lo. Ainda assim, o que conseguiu fazendo-o? Talvez novos leitores. Mas poderia razoavelmente esperar algum efeito útil quanto a esse objectivo de "testar as fronteiras de liberdade de expressão do islão"? Não censuro o uso da imagem de Maomé; censuro o que a motivou. Há o direito ao sensacionalismo, mas é preciso ver com o que é que estamos a lidar e comparar o que há a ganhar com o que há a perder.

Adenda: faço minhas as palavras do Guardian: "Context matters very much in the case of the cartoons of Muhammad too. It is one thing to assert the right to publish an image of the prophet. As long as that is not illegal [...] then that right undoubtedly exists. But it is another thing to put that right to the test, especially when to do so inevitably causes offence to many Muslims and, even more so, when there is currently such a powerful need to craft a more inclusive public culture which can embrace them and their faith. [...] Yesterday's acquittal of two British National party officials on race hatred charges for attacking Islam - and the triumphalist scenes as the two freed men emerged from court - are part of the context that must be weighed in asserting any right to publish cartoons that offend Muslims. So too is the political situation in Denmark itself, where the cartoons were first published, and where a large and strongly anti-immigrant party provides part of the parliamentary coalition supporting Denmark's centre-right government. What is the message that is being sent, both in the BNP acquittal context and in the Danish context, by insisting on publishing such images? Those questions cannot be ducked - and nor can the answers."

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 3

Depois das experiências anteriores com formas bem marcadas, este foi o primeiro poema, digamos, livre, que escrevi e ainda hoje me dá para vomitar internamente os advérbios e mais uma ou outra coisa.
Sentou-se no patamar do abismo, os pés bamboleando, a cabeça de vagas enlevada.

A montanha ruge.

Treme,
trapezia-se, baralhado;
com escuro esquecedor, o abismo excita o torpor gutural.

Cai.
Engole-se abismalmente,
Vomita-se internamente e ainda busca o acenar que formaliza a coisa.

O milionário

Não tenho nada contra Bill Gates nem gosto de tomar a Microsoft, logo à partida, como o Demónio, mas a verdade é que a recente visita do milionário americano a Portugal teve algo de intrujice ou mesmo de humilhação. Por um lado, parece que se deu uma condecoração ao homem como se fosse um suborno; por outro, parece que se apalavrou a rendição total da informática estatal à Microsoft. Não é que eu não perceba as intenções de Sócrates – se a empresa norte-americana cumprir e disponibilizar as formações e os investimentos que prometeu, o potencial de aprendizagem tecnológica e, consequentemente, de inovação em Portugal poderá aumentar, mesmo que essa formação seja feito com óbvio intuito comercial (como um representante da Microsoft dizia ontem no Público, se Gates produzisse carros, fazia sentido que investisse para que mais pessoas tivessem carta de condução). A lógica será a de que o país beneficiará com o benefício da Microsoft. Mas não faria mais sentido que, numa altura de restrições orçamentais, o Estado transitasse para o software de código-livre, potenciando assim a investigação e o desenvolvimento de aplicações para o mesmo? A anunciada divulgação do código-fonte do Windows não se compara, pois não evitará o pagamento de licenças dispendiosas pelo seu uso, para além de ter sido motivado por razões judiciais. Será que o software de código-livre é visto pelo Governo como coisa de terceiro mundo? Talvez fosse bom olharem para Espanha e para o ambiente em que a Informática é ensinada nas escolas secundárias: Linux, que sempre fica mais barato e pode ser mais facilmente melhorado.

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 2

Este poema, escrito nos dias que passaram entre o início do anterior e a sua correcção (ou seja, até ao acrescento dos quatro versos finais), é uma excrescência chico-esperta, porque a sua suposta “tese” – é poema com argumento – não existe ou, existindo, fica escondida por entre a confusão dos elementos querer-pensar. O poema parece que quer dizer, mas acaba por não o fazer, ou seja, assume uma lógica de ocultação que não combina com a intenção de expor. A brincar, a brincar, a ligação entre pensamento e indivíduo não deixava de ser uma preocupação temática central e que continuo a desenvolver, apesar de já não lhe dar tanta importância. Mas o tom, e principalmente a pergunta na estrofe final, o falso diálogo com a “plateia” de leitores, o tom teatral presumido, são tudo coisas que me fazem querer dar uma bofetada ao autor que eu era na altura. Algo que, no entanto, continuo a achar engraçado é “os carros”, o elemento dissonante, perturbador, dinâmico: é que, onde eu escrevia, praticamente não passavam carros que pudessem “quebrar o pensar de quem pensa”. Onde terei eu ido buscar isto? Estaria a dissociar-me voluntariamente da aldeia?

Quanto mais quero pensar querer,
Mais penso que não quero querer
O que, querendo pensar, quereria.

É que, ao contrário do que quer o que pensa,
Eu não consigo pensar que o que quero
É o que quereria pensado o querer.
E enquanto os carros passarem a quebrar o pensar de quem pensa,
Quererei pensar querer o
Que, quebrado o pensar, querido continuará.

Quem quer pensar, como eu quero,
No que pensado, pensado querido
Será então?
Ninguém?! Como queiram!
Enquanto eu quiser que pense querer,
Menos pensarei no que quero pensar;
Pois além do carro que passa a quebrar,
Eu quebro sem pensar o meu passante querer.

O neófito

Emanuel Graça, jornalista no DN, meu amigo, antigo chefe de redacção e director no Jornal Universitário de Coimbra - A Cabra e anfitrião em visitas curtas a Lisboa, tem um blog. Bem-vindo.

o cinema espanhol

Nunca percebi porque é que em Portugal se liga tão pouco à cinematografia espanhola. Será por inveja?

Os poemas antigos: Acertos Veniais, 1

A primeira série de poemas que escrevi chamava-se Os Acertos Veniais. Eram pequenas experiências de adaptação de conteúdos a formas que começava a descobrir – ou seja, foi um início em que tentei perceber as potencialidades expressivas da escrita e adaptá-las à minha vontade.

O poema que se segue foi, efectivamente, o primeiro que escrevi. Foi rabiscado enquanto estudava para um teste de Alemão, na parte de trás de um bloco que usava para apontar vocabulário. Ainda tenho esse bloco e julgo que está lá o dia exacto em que o escrevi, se bem que os últimos quatro versos tenham sido acrescentados depois, para evitar uma suspensão que não me agradava. Na altura, tinha acabado de descobrir Fernando Pessoa na aula de Português e, graças à insistência do meu professor, o Padre Bento, que me ensinara finalmente a saborear o gosto da palavra lida (e dita), devorava também o CD-ROM da Texto Editora chamado Fernando Pessoa Multimédia. Grandes textos, mas eu aqui tentava só traduzir num equivalente escrito o sentimento de estudar.

Porque sei
Que danço devagar,
Não piso mais depressa
A pena que endereça
As coisas ao lugar
Onde sei.

Corro sem tal promessa,
Com o indigo que ceei,
Sobraçado, a rolar
Nos ponteiros do luar
Em que o eu entrei,
Mas onde Eu se cessa.

No entardecido madrugar
Gira a esfera acesa
Na marcha em que parei.
A alvo tronco eu sibilei
O vermelho na defesa
De um azul que não tem mar.

Que Eu me rompesse o ar
Que se prende a esta mesa
E fingisse que o não amei...
Mas assim mal tem que ficar:
A esfera que olha acesa,
O ar preso a esta mesa
E as coisas no lugar onde eu sei.

Os poemas antigos

Eu comecei a escrever poemas aos dezassete anos, mas só recentemente é que escrevi algo que considero, digamos, adulto - ou melhor, que me satisfez completamente enquanto autor e leitor, pois, na verdade, não faço quaisquer considerações de idade relativamente à minha obra (é preciso não ter medo à palavra), tirando a de achar que todo o autor é um pouco adolescente, o que agora não vem ao caso.

Sempre pensei no que fazer aos poemas que escrevi entre 1998 e 2002: ainda são algum texto e eu achava que mereciam divulgação, mas nunca fiz muito esforço por publicá-los, porque, apesar de tudo, nunca me satisfizeram completamente. Cheguei a enviar alguns exemplares para um par de editoras, que mos recusaram ou se silenciaram – em boa hora, porque nunca tardou muito até que eu próprio me cansasse deles (do estilo ou do conteúdo). Ou seja, nunca tardou muito até que me sentisse incapaz de os defender.

Começarei hoje a publicá-los no blog. Servirá a memória e ajudar-me-á a reflectir sobre a minha escrita de hoje.

a tortura

Apesar de não comprar camisolas ou camisas novas há anos, de andar há mais de um para substituir umas sapatilhas que já deviam estar reformadas e de ter de mandar arranjar a maioria das calças que tenho - para mim fazer compras é um sacrifício. O ar condicionado dos centros comerciais, dos supermercados e de quase todas as lojas tem o efeito simpático de me fazer arder os olhos, sem, no entanto, os avermelhar, o que poderá ser útil no dia em que queira dar uma de Édipo sem que ninguém perceba, mas que, até lá, é desconfortável como o caraças. Além do mais, depois de meia hora dou comigo a desprezar metade das pessoas que por lá andam, principalmente se estiverem contentes, e não é agradável ouvir um descontrolado monólogo interior em tom de psicho killer. Resultado: ter frequentemente de controlar o ímpeto de comprar a licença de me ir embora.
« Home | Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »


jorge vaz nande | homepage | del.icio.us | bloglines | facebook | e-mail | ligações |

novembro 2003 dezembro 2003 janeiro 2004 fevereiro 2004 março 2004 abril 2004 maio 2004 junho 2004 julho 2004 agosto 2004 setembro 2004 outubro 2004 novembro 2004 dezembro 2004 janeiro 2005 fevereiro 2005 março 2005 abril 2005 maio 2005 junho 2005 julho 2005 agosto 2005 setembro 2005 outubro 2005 novembro 2005 dezembro 2005 janeiro 2006 fevereiro 2006 março 2006 abril 2006 maio 2006 junho 2006 julho 2006 agosto 2006 setembro 2006 outubro 2006 novembro 2006 dezembro 2006 janeiro 2007 fevereiro 2007 março 2007 abril 2007 maio 2007 junho 2007 julho 2007 agosto 2007 setembro 2007 outubro 2007 novembro 2007 dezembro 2007 janeiro 2008 fevereiro 2008 março 2008 abril 2008 maio 2008 junho 2008 julho 2008 agosto 2008 setembro 2008 outubro 2008 janeiro 2009 fevereiro 2009 março 2009 maio 2009 junho 2009 julho 2009 agosto 2009