os clássicos
Sempre que ouço esta conversa, fico em dúvida. Afinal, é preferível perder almas no processo de levá-las a ler calhamaços que não compreendem, porque não lhe estão próximas, ou fazê-las pensar? É que isto parece-me realmente mais importante. Há obras que constroem uma base para o cumprimento da cidadania e permitem a transferência histórica, de geração em geração, de valores mínimos que permitem à humanidade continuar a sê-lo, no funcionamento social, na actividade estética, na linguagem. Mas de que adianta espetar aos miúdos a história do Dom Quixote se eles não se sentem próximos dela? Entra aqui a importância das adaptações. Dantes havia as versões de João de Barros, hoje há os desenhos animados (a propósito, foi animada a minha primeira versão do Quixote). É um caminho. É que as obras pelas obras não valem nada se quem as lê não perceber a relação entre si mesmo e o que lê. Se isso não acontecer, a obra não lhe vai servir para nada: o muro entre um e o outro será intransponível. E depois? Ficamo-nos com as boas intenções e o "nós tentámos"? Não podemos cair no risco e na patetice de sobrepor o conhecimento do passado à compreensão do presente; aquele está, afinal, contido neste. Chegar até ele é, no fundo, questão de raciocínio, de tempo e de reflexão. Até pode ser que os miúdos venham a ser letrados engravatados de academia, mas, por favor, não os tentem seduzir com essa imagem.
3 Comentários:
"Dantes haviam as versões "??? Ai esse português, ai esse português... Está a precisar de ler uns clássicos.
JPL
"Touché", mas, ora essa, bastou uma correcção rápida que se poderia ter corrigido com uma segunda leitura não negligente. E, quanto aos clássicos, longe de mim negar a sua leitura: simplesmente, questiono o modo de como fazer miúdos em idade escolar chegar a ela. Serão importantes para construir algo, mas cuidado para não pôr os tijolos à frente da obra.
Pense nisto.
O problema dos intelectuais é, de facto, o namoro com os clássicos (que muitas vezes nem leram) como se fosse uma obrigação elogiante. É um tique elitista, um divórcio com tudo o que há de natural e popular... porque para essa gente há «eles» e depois os «pobres famélicos de cultura» que não entendem as suas preclaras advertências. Mas «eles» são inconsequentes, patéticos e incultos.
Pensar! Pode ser ensinado a exemplificar com ovelhas ou tijolos.
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