a cinefilia
Se não me engano, foi João Lopes, num artigo da última Premiere, que escreveu algo como a superioridade das séries norte-americanas e a sua disponibilização em DVD anunciar uma substituição - ou talvez um "upgrade" - da cinefilia por uma "sériefilia". Sobre o futuro dessa mesma cinefilia , debruçou-se João Lopes em Dezembro no seu blog (1,2,3). A minha opinião sobre "Borat" não é desfavorável como a dele, mas também não acho que o filme seja um marco de viragem na relação do público com o cinema (poderá provar que ela já mudou entretanto, mas não a provoca). Também não acho que os imbecis que importunaram o crítico sejam representativos de alguma coisa para além da sua própria imbecilidade. Como cinéfilo, declaro publicamente que eles não me representam.
Eu acho que o futuro da cinefilia passará inevitavelmente pela actuação do espectador relativamente à obra. Com a facilitação do acesso às técnicas audiovisuais e de exibição permitidas pelos computadores e pela Internet, o espectador de cinema, no fim de contas, caminha para o abandono do seu papel passivo enquanto receptor na sala de cinema e para o de transfigurador da matéria fílmica, de reformulador da mensagem artística que o cineasta despoletou, mas não acabou. O YouTube potencia isto, mas podemos identificar a viragem na altura em que a edição não-linear se tornou a norma, em que se começou a digitalizar o negativo para montar no computador.
O mais curioso é que um dos primeiros exemplos desta expressão da cinefilia que vi veio do próprio João Lopes: a curta "Paisagens Intermédias" no DVD de "O Delfim" de Fernando Lopes, onde ele edita as imagens e sons deste filme com os de "Uma Abelha na Chuva", do mesmo realizador, salientando assim as linhas de continuidade entre as duas obras. Isto foi um anúncio do presente: hoje, já Quentin Tarantino e Robert Rodriguez promovem um concurso de trailers para o seu filme por estrear, já Lynch confessa o seu amor ao digital e à Internet, já se fazem filmes em segmentos não-lineares com David Straithairn. Entretanto, as curtas-metragens começam a ir para a Internet, não de forma pirata, mas legitimamente, pelos próprios festivais - repare-se no Fotogramas en Corto, no Notodofilmfestival, no próprio festival de Sundance! - ou em sites de exibição directa on-line.
A aproximação, e consequente confundibilidade, entre criador e espectador e a maleabilidade do material fílmico por este parecem-me os caminhos futuros do cinema. A apropriação mental da gramática audiovisual finalmente foi acompanhada pela disponibilidade técnica da montagem. E isto não põe em causa o amor - a filia - do cinéfilo. Afinal, no Brasil, até já há quem queira fazer dele lei...
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