O primeiro jogo do Euro 2004, na medida em que faz prever uma prestação não tão boa da selecção nacional, tem algo em comum com a morte de Sousa Franco: faz-nos pensar sobre o modo como estamos a fazer as coisas em Portugal ("Se a sua morte puder contribuir para se pensar de novo as formas de fazer política em Portugal, será mais uma das contribuições cívicas que deu ao país na sua carreira pública, diz Pacheco Pereira no artigo que, receoso de ver devorado pela pressa carnívora de nova informação, transpus para aqui).
Há tempos, confessei o meu espanto por uma carta de aparência muito formal que me foi enviada pelo Ministro-Adjunto e que eu, erroneamente, tomei por um aviso para as eleições quando, na verdade, era uma convocatória para me portar bem durante o Euro (um pequeno apontamento: pode-se confiar em governantes que se sentem na necessidade moral de assegurar a confiança dos governados?). Alguns dias depois, recebi um panfleto colorido que me informava do dever cívico no dia 13. Uma carta formal para o Euro, um panfleto colorido para votar. Não está bem.
Há semanas (meses?...) que me é atirada às toneladas para os olhos, dentro e fora de casa, publicidade com intervenientes do Euro. Os jogadores são-me apresentados como figuras nacionais ao mesmo tempo que correm, saltitam ou fazem caretas em cartazes e na televisão. O país é representado com um relvado gigante a cobrir as praias e avenidas. As pessoas sorriem.
Na Comunicolândia, tudo era alegre. Tudo estava a ser preparado para uma caminhada triunfal até ao pódio da glória que nos foi negado no último campeonato europeu pelos irredutíveis gauleses e que o punho de João Pinto e os alhos de António Oliveira assassinaram de violência e mau cheiro no mundial da Coreia. Havia bandeiras portuguesas nas varandas, dadas por jornais e quase oferecidas por hipermercados que nunca se lembrariam da bandeira nem que ela caísse do céu para lhes cobrir as carecas.
Eis que, de repente e sem que ninguém o previsse, uns gregos determinados e de defesa sólida marcaram golo. E o país, disse-se no Telejornal da RTP, "gelou ao sétimo minuto" para, diria eu, acabar o jogo partido no chão como o Exterminador de Robert Patrick.
Introduzo agora aqui uma conversa que tive há dias com alguém numa esplanada de Coimbra. O dia estava calmo e quente, passavam poucos carros, as pessoas conversavam. Esse alguém disse que do Rock In Rio, maior acontecimento musical de sempre em Portugal, não nos tinha chegado nada. O evento mais comunicado do ano até o futebol chegar (através da publicidade e da oferta massiva de bilhetes) não se repercutia até Coimbra - ou seja, metade da sua dimensão era criada na Comunicolândia. Exemplo: a organização confessou, dias antes do início do festival, que a venda de bilhetes, que ela pretendia luciferiana, acabou por ficar reduzida a um terço do previsto.
Agora podemos todos perguntarmo-nos quanto do levantamento de alegria da Nação existiria realmente e quanto não seria fabricação em ondas electromagnéticas. Tenho a convicção de que estamos divididos em meia-dúzia de fanáticos (ainda assim, com graus variáveis de consciência), uma grande percentagem de pessoas mais ou menos bem-dispostas que só querem divertir-se um pouco e um número de indiferentes suficiente para ultrapassar o de fanáticos (a não ser no fanatismo). A esperança do bom sucesso da selecção não existe enquanto acontecimento, foi criado na Comunicolândia através de uma estratégia de empolamento das vitórias certas sobre selecções mais fracas, como a do Luxemburgo e a da Lituânia, e de menorização das más experiências da Itália e, até certo ponto, da Suécia.
Esteve realmente o país "unido" a favor da selecção, o desígnio patriótico foi assim tão patriótico? E hoje, a tristeza é assim tão triste e imperativa? São duas da manhã e não oiço choros no meio da noite. Por isso, à esperança de Pacheco Pereira de que a morte de Sousa Franco renove a forma de fazer política em Portugal (ao fim e ao cabo, o que implica ela senão um dever de vergonha para o caciquismo local?), junto a de que este jogo, independentemente daquilo que estiver para vir, faça as pessoas parar e pensar naquilo que as merece. Porque, ao fim e ao cabo, aquilo que não as merecer não vale a pena.
Há tempos, confessei o meu espanto por uma carta de aparência muito formal que me foi enviada pelo Ministro-Adjunto e que eu, erroneamente, tomei por um aviso para as eleições quando, na verdade, era uma convocatória para me portar bem durante o Euro (um pequeno apontamento: pode-se confiar em governantes que se sentem na necessidade moral de assegurar a confiança dos governados?). Alguns dias depois, recebi um panfleto colorido que me informava do dever cívico no dia 13. Uma carta formal para o Euro, um panfleto colorido para votar. Não está bem.
Há semanas (meses?...) que me é atirada às toneladas para os olhos, dentro e fora de casa, publicidade com intervenientes do Euro. Os jogadores são-me apresentados como figuras nacionais ao mesmo tempo que correm, saltitam ou fazem caretas em cartazes e na televisão. O país é representado com um relvado gigante a cobrir as praias e avenidas. As pessoas sorriem.
Na Comunicolândia, tudo era alegre. Tudo estava a ser preparado para uma caminhada triunfal até ao pódio da glória que nos foi negado no último campeonato europeu pelos irredutíveis gauleses e que o punho de João Pinto e os alhos de António Oliveira assassinaram de violência e mau cheiro no mundial da Coreia. Havia bandeiras portuguesas nas varandas, dadas por jornais e quase oferecidas por hipermercados que nunca se lembrariam da bandeira nem que ela caísse do céu para lhes cobrir as carecas.
Eis que, de repente e sem que ninguém o previsse, uns gregos determinados e de defesa sólida marcaram golo. E o país, disse-se no Telejornal da RTP, "gelou ao sétimo minuto" para, diria eu, acabar o jogo partido no chão como o Exterminador de Robert Patrick.
Introduzo agora aqui uma conversa que tive há dias com alguém numa esplanada de Coimbra. O dia estava calmo e quente, passavam poucos carros, as pessoas conversavam. Esse alguém disse que do Rock In Rio, maior acontecimento musical de sempre em Portugal, não nos tinha chegado nada. O evento mais comunicado do ano até o futebol chegar (através da publicidade e da oferta massiva de bilhetes) não se repercutia até Coimbra - ou seja, metade da sua dimensão era criada na Comunicolândia. Exemplo: a organização confessou, dias antes do início do festival, que a venda de bilhetes, que ela pretendia luciferiana, acabou por ficar reduzida a um terço do previsto.
Agora podemos todos perguntarmo-nos quanto do levantamento de alegria da Nação existiria realmente e quanto não seria fabricação em ondas electromagnéticas. Tenho a convicção de que estamos divididos em meia-dúzia de fanáticos (ainda assim, com graus variáveis de consciência), uma grande percentagem de pessoas mais ou menos bem-dispostas que só querem divertir-se um pouco e um número de indiferentes suficiente para ultrapassar o de fanáticos (a não ser no fanatismo). A esperança do bom sucesso da selecção não existe enquanto acontecimento, foi criado na Comunicolândia através de uma estratégia de empolamento das vitórias certas sobre selecções mais fracas, como a do Luxemburgo e a da Lituânia, e de menorização das más experiências da Itália e, até certo ponto, da Suécia.
Esteve realmente o país "unido" a favor da selecção, o desígnio patriótico foi assim tão patriótico? E hoje, a tristeza é assim tão triste e imperativa? São duas da manhã e não oiço choros no meio da noite. Por isso, à esperança de Pacheco Pereira de que a morte de Sousa Franco renove a forma de fazer política em Portugal (ao fim e ao cabo, o que implica ela senão um dever de vergonha para o caciquismo local?), junto a de que este jogo, independentemente daquilo que estiver para vir, faça as pessoas parar e pensar naquilo que as merece. Porque, ao fim e ao cabo, aquilo que não as merecer não vale a pena.
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