
Há tempos, confessei o meu espanto por uma carta de aparência muito formal que me foi enviada pelo Ministro-Adjunto e que eu, erroneamente, tomei por um aviso para as eleições quando, na verdade, era uma convocatória para me portar bem durante o Euro (um pequeno apontamento: pode-se confiar em governantes que se sentem na necessidade moral de assegurar a confiança dos governados?). Alguns dias depois, recebi um panfleto colorido que me informava do dever cívico no dia 13. Uma carta formal para o Euro, um panfleto colorido para votar. Não está bem.
Há semanas (meses?...) que me é atirada às toneladas para os olhos, dentro e fora de casa, publicidade com intervenientes do Euro. Os jogadores são-me apresentados como figuras nacionais ao mesmo tempo que correm, saltitam ou fazem caretas em cartazes e na televisão. O país é representado com um relvado gigante a cobrir as praias e avenidas. As pessoas sorriem.
Na Comunicolândia, tudo era alegre. Tudo estava a ser preparado para uma caminhada triunfal até ao pódio da glória que nos foi negado no último campeonato europeu pelos irredutíveis gauleses e que o punho de João Pinto e os alhos de António Oliveira assassinaram de violência e mau cheiro no mundial da Coreia. Havia bandeiras portuguesas nas varandas, dadas por jornais e quase oferecidas por hipermercados que nunca se lembrariam da bandeira nem que ela caísse do céu para lhes cobrir as carecas.
Eis que, de repente e sem que ninguém o previsse, uns gregos determinados e de defesa sólida marcaram golo. E o país, disse-se no Telejornal da RTP, "gelou ao sétimo minuto" para, diria eu, acabar o jogo partido no chão como o Exterminador de Robert Patrick.
Introduzo agora aqui uma conversa que tive há dias com alguém numa esplanada de Coimbra. O dia estava calmo e quente, passavam poucos carros, as pessoas conversavam. Esse alguém disse que do Rock In Rio, maior acontecimento musical de sempre em Portugal, não nos tinha chegado nada. O evento mais comunicado do ano até o futebol chegar (através da publicidade e da oferta massiva de bilhetes) não se repercutia até Coimbra - ou seja, metade da sua dimensão era criada na Comunicolândia. Exemplo: a organização confessou, dias antes do início do festival, que a venda de bilhetes, que ela pretendia luciferiana, acabou por ficar reduzida a um terço do previsto.
Agora podemos todos perguntarmo-nos quanto do levantamento de alegria da Nação existiria realmente e quanto não seria fabricação em ondas electromagnéticas. Tenho a convicção de que estamos divididos em meia-dúzia de fanáticos (ainda assim, com graus variáveis de consciência), uma grande percentagem de pessoas mais ou menos bem-dispostas que só querem divertir-se um pouco e um número de indiferentes suficiente para ultrapassar o de fanáticos (a não ser no fanatismo). A esperança do bom sucesso da selecção não existe enquanto acontecimento, foi criado na Comunicolândia através de uma estratégia de empolamento das vitórias certas sobre selecções mais fracas, como a do Luxemburgo e a da Lituânia, e de menorização das más experiências da Itália e, até certo ponto, da Suécia.
Esteve realmente o país "unido" a favor da selecção, o desígnio patriótico foi assim tão patriótico? E hoje, a tristeza é assim tão triste e imperativa? São duas da manhã e não oiço choros no meio da noite. Por isso, à esperança de Pacheco Pereira de que a morte de Sousa Franco renove a forma de fazer política em Portugal (ao fim e ao cabo, o que implica ela senão um dever de vergonha para o caciquismo local?), junto a de que este jogo, independentemente daquilo que estiver para vir, faça as pessoas parar e pensar naquilo que as merece. Porque, ao fim e ao cabo, aquilo que não as merecer não vale a pena.
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