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frança e os outros

Os distúrbios em França não são diferentes de fenómenos anteriores que ocorreram em Portugal, como o falsificado arrastão de Carcavelos ou, até certa medida, os incêndios de verão. Com o primeiro, eles têm em comum o facto de revelarem o eclodir de frustrações entupidas já há muito, com particular expressão nas novas gerações descendentes de imigrantes. Curioso é o facto de o alvo prioritário da ira dos excluídos da sociedade de opulência ser, precisamente, a propriedade, que aquela gosta de lhes acenar na cara como meta inatingível, e curioso também é o modo quase irracional e profundamente intuitivo como essa destruição é para os amotinados o modo de expressão natural do seu desconforto - como se procurassem arrancar das mãos daquela sociedade a arma com que ela os humilha, independentemente dos custos (a perda de empregos e das infraestruturas que os proprios amotinados utilizam, como os campos de jogos). Esclareça-se, porém, uma diferença: o arrastão existiu só no medo da classe média, os distúrbios existem fisicamente e, medo dos medos, não dependem de nada a não ser do ódio, ao contrário dos motins estudantis de 68, que dependiam da paralisação dos sindicatos.
Com os incêndios de Verão, os distúrbios têm em comum a revelação de um interessante elemento da consciência social: o da cidade como reservatório da riqueza e, portanto, com prioridade máxima de protecção. Tal como o alerta só soou verdadeiramente quando o fogo, este ano, entrou nos subúrbios de Coimbra e Viana do Castelo (o que teria sido se fosse Lisboa...), também aqui se colocou a fasquia nos carros a arder no interior de Paris. Até aí, o assunto era do subúrbio e a vida podia continuar. Esta guetização silenciosa apenas permite uma conclusão: uma sociedade (burguesa) que tem como fim o conforto e como meio uma economia falha quando essa economia depende de se excluir uma parte substancial da população desse conforto.

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