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o xamã

Um excerto de uma carta de Bill Hicks a um padre.
Se a comédia é um escape de alguma coisa, é-o da ilusão. O cómico, ao usar a Voz da Razão, lembra-nos a nossa Realidade Verdadeira e, nesse momento de reconhecimento, rimo-nos e a realidade da monotonia diária mostra-se como realmente é – irreal… uma piada. A verdadeira comédia transforma os círculos em espirais. O cómico atravessa habilmente e sem medo o que antes parecia um muro cansativo, assustador ou frustrante, provando a sua total absurdez. O público sente-se aliviado ao saber que não está sozinho em pensar “Esta treta que vemos e ouvimos o dia todo não faz sentido. Certamente não sou o único a pensar assim. E certamente deve haver uma resposta…” A boa comédia ajuda as pessoas a saber que não estão sozinhas. A grande comédia fornece-lhes a resposta.
Os grandes cómicos, os que transcenderam ao mesmo tempo tanto as suas próprias noções pré-concebidas como as do público, têm que respirar um ar muito rarefeito. Nesse momento, o cómico é uno com o público. Ele é um canal, vazio de si próprio, mas, ainda assim, cheio de maravilhamento e alegria e criação – pois estes são os frutos que a Voz da Razão ostenta. A Voz da Razão está em todos nós - e é a mesma voz a que está em todos nós. E, quando fala, é ouvida por todos e toda a gente a pode reconhecer, porque faz sentido e toda a gente beneficia dela… de igual modo. Não há lados negativos. Não é preciso esperar por mais nada.
Este nosso mundo é, tem sido e será sempre uma merda de uma piada. O mundo real existe para além do véu que o cobre, e o Artista, todos os Artistas, levantaram esse véu por si mesmos e, portanto, por toda a gente, porque, na verdade, nós somos só Um. (A propósito, Larry, é precisamente esta filosofia que me manteve praticamente anónimo na América durante quinze anos. Hmmm…) (Talvez deva pintar o cabelo de azul e passar a chamar-me Sorvete. Aí é que seria mesmo popular!)
Foi isto o que me confundiu, mais uma vez, quanto à ideia de eu não ter um “tema unificador”. Razão vs. Sem-razão, Sanidade vs. Insanidade, Bom Senso vs. Disparate não é um tema? Persuadir, aliciar, convencer o público a entrar comigo sem medo na minha viagem interior não é um tema? (Particularmente uma viagem interior como a minha, que, para os provincianos, deve parecer, de início, bastante profana?) Qual era o “tema unificador” de Richard Pryor para além do seu ponto de vista idiossincrático? E quem o disse primeiro e melhor? Não, não foi um comediante. Desiste? Foi Lenny Bruce. Eu sou o meu próprio Tema Unificador, Sr. Cristão, e, infelizmente, não existe rótulo, livro ou bordão pelo qual chamá-lo (“Crítica Social” não está muito longe do alvo.)
Sabe, muitos críticos compararam-me a Lenny Bruce e muitos perguntaram-me o que essa comparação me faz sentir. A minha resposta é sempre a mesma. Antes de mais, como não fui eu a fazer a comparação, não tenho que a justificar. Mas, para responder à pergunta com sinceridade, eu sinto mesmo que somos similares. Somos similares na medida em que ele era ele próprio em palco e eu sou eu próprio em palco. Do mesmo modo que Richard Pryor era ele próprio, Charlie Chaplin era ele próprio, Buster Keaton era ele próprio, W. C. Field era ele próprio. A única questão pertinente sobre o trabalho destes homens é – era engraçado, porra? (Mais, eu estava a fazer um show de comédia, não um teste de final de semestre).
O Sr. acabou o seu texto sobre mim com o sentimento mais desconcertante relativamente a um cómico que alguma vez ouvi “… Como vamos alguma vez saber se o Sr. Hicks é profético ou apenas um demente?” DEMENTE!? (Seguramente, o meu show não lhe recordou o do Professor Irwin Corey.)
Quando é que, na história da crítica de comédia, algum cómico foi alguma vez colocado nessas posições? Um profeta! Um demente! C’um caraças! (Ainda estou a dar voltas na cama à conta dessa.) Pense nisto, Larry. Se está disposto a colocar-me num posição tão inacreditável como a de profeta ou disposto a rejeitar-me como um qualquer demente, seguramente compreende o meu desejo de que reavalie exactamente aquilo que eu faço. E eu acho que tem razão quando diz que podíamos os dois aprender algo um com o outro com mais diálogo. Aparentemente, não é claro para muitas pessoas o que é que faço, portanto, sabe que mais? Vou assumi-lo e dizer-lho. Nada de enrolar. OK, aqui vai… eu, como todos os artistas nas culturas ocidentais, sou um xamã. (Já agora, isso fica algures entre profeta e demente… mas muito mais próximo do profeta.)
Pronto, aqui tem. Eu sou um Xamã que se disfarça de cómico para curar a percepção pelo uso de histórias e “piadas” e sempre, sempre, sempre, da Voz da Razão, de modo a que as pessoas possam ter Esperança e Paz através da cura das suas interpretações erradas. Eu sou um xamã e o meu objectivo é… rufo de tambor… ser eu próprio! E o esforço que isso implica é… outro rufo, por favor… nenhum! E a minha mensagem é… rufo de tambor seguido por choque dos pratos… Sê Tu Próprio. Eu sou um xamã, um curandeiro e a verdade é o meu remédio. O riso faz com que, para alguns, o amargo engolir da verdade seja um pouco mais fácil.
Nós vivemos num mundo de negação, Larry. E o xamã surge para nos lembrar da nossa Verdade. Os xamãs vêm em muitas formas e feitios. A forma em que eu vim – eu – expressa-se melhor através do infelizmente limitador rótulo de “cómico”. Sim, deve ser confuso para alguns. Raio, levou-me anos até perceber o que eu era. (Anos e anos e anos…) E sempre ouvi a mesma coisa dos “poderes instituídos” – “Nós adoramos-te, Bill, só não sabemos o que fazer contigo”. A sério? Hmmm… Acho isso muito engraçado, porque é óbvio que eles sabem o que fazer com os idiotas e os palhaços e os falsos e os sem-talento. Hmmm…
Mas as boas notícias são – eu finalmente percebi quem era e não persigo mais as (pontas de) cenouras e já não tenho que fazer mais habilidades. Eu só tenho coisas para partilhar com aqueles que estão dispostos ou interessados.
Deixe-me dizer-lhe que é um alívio saber finalmente quem se é! Literalmente, tiraram-me dos ombros o peso do mundo e agora eu vejo nova esperança e nova felicidade a nascerem todos os dias. E, estranhamente, novas oportunidades aparecem-me a toda a hora (“Sê tu próprio e o resto seguir-se-á”). É mesmo assim tão fácil. E que esforço é preciso para ser eu próprio?
Há muito tempo, um amigo advogado disse-me algo que achei muito sugestivo. Ele disse-me que a palavra Entusiasmo vem do latim En Theos, que significa – o Deus de Dentro. Por outras palavras, pensei para mim mesmo “faz o que te excita, pois essa excitação é Deus a dizer-te – ‘estamos no caminho certo, e estamos juntos, e é divertido!’” E tem sido divertido para mim nestes últimos anos, e está a ser cada vez mais divertido todos os dias.

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