respostas estacionadas - para Sérgio, I
Chegou a altura de continuar (finalmente, e agora que tenho algum tempo) as trocas de ideias que uma série de posts dos últimos tempos têm propiciado. Comecemos então pelo início.
Começou aqui o Sérgio a comentar a decisão do juiz de instrução Nuno Melo de não pronunciar nenhum dos acusados no caso da ponte de Entre-os-Rios. Irritam-te as pessoas que, tomadas de raiva ou de vã vontade de falar, dizem que a Justiça portuguesa é terceiro-mundista, caro Sérgio. Percorramos então os principais tópicos da justiça nacional. Condições sub-humanas nas prisões (por vezes, verdadeiros atentados à dignidade da vida humana, em que a República Portuguesa se baseia), atrasos injustificáveis nas decisões judiciais, tribunais a funcionarem em lugares pouquíssimo próprios (prédios de escritórios, edifícios degradados, falta de condições de arquivamento, falta de capacidade de atendimento físico, etc.), prisões preventivas a prolongarem-se para além do impensável, atrapalhações e demoras burocráticas, corporativismo e prepotência dos magistrados judiciais, falta de seriedade no relacionamento de advogados com os clientes e com os colegas, falta de confiança generalizada nos resultados da Justiça (com todas as consequências perniciosas de quem, desesperado, decide fazer justiça pelas próprias mãos)... não há algo (bastante) de terceiro-mundista a revelar-se numa decisão do Supremo Tribunal Administrativo que ordena o pagamento pelo Estado de uma renda mensal a um homem que espera há vinte anos por uma decisão para o caso em que perdeu tudo aquilo que tinha? Claro, ainda bem que temos instituições a funcionar que velam pelas que não funcionam e, mais importante, por nós. Mas há algo de malsão em tudo isto. Terceiro-mundista? Talvez, muito provavelmente, Sérgio.
Depois, no mesmo post, segue-se a tua inconformidade com o exagero e absurdo das intervenções no Fórum Tsf. Acredito que grande parte dessa tua indignação tenha vindo de uma amostra concentrada de opiniões exaltadas e a quererem fazer-se desesperadamente ouvir, independentemente da maior ou menor razão que poderiam ter.
Penso na Justiça enquanto ambição seminal, talvez utópica, de paz social (sem querer com isto pretender uma revisão de teses penalistas: mantenhamo-nos informais...), até porque a noção de “justo” implica, necessariamente, a invocação de referentes sociais (“o que é justo”, pergunte-se). Ora, tendo isto em conta, considero mais insultuosas do que as declarações precipitadas de pessoas menos informadas – apesar de tudo, a precipitação é um direito delas! – as decisões judiciais baseadas em noções estéreis e carcomidas, tantas vezes desactualizadas e infectadas pelo vírus do medo à autoridade, que tanto criticámos, eu e tu, na nossa passagem pela Faculdade de Direito. Certo, em Portugal gostamos de falar mal uns dos outros. Não elogiamos quando as coisas são bem feitas e preferimos perguntar porque não foram feitas de modo melhor. Mas não é esse um dos males necessários da sociedade democrática, da qual também fazem parte, para além das administrações, mesmo as instâncias judiciais que, sendo autónomas, também trazem consigo lastro de Estado no carácter, devendo estar assim sujeitas às críticas de cidadãos?
Começou aqui o Sérgio a comentar a decisão do juiz de instrução Nuno Melo de não pronunciar nenhum dos acusados no caso da ponte de Entre-os-Rios. Irritam-te as pessoas que, tomadas de raiva ou de vã vontade de falar, dizem que a Justiça portuguesa é terceiro-mundista, caro Sérgio. Percorramos então os principais tópicos da justiça nacional. Condições sub-humanas nas prisões (por vezes, verdadeiros atentados à dignidade da vida humana, em que a República Portuguesa se baseia), atrasos injustificáveis nas decisões judiciais, tribunais a funcionarem em lugares pouquíssimo próprios (prédios de escritórios, edifícios degradados, falta de condições de arquivamento, falta de capacidade de atendimento físico, etc.), prisões preventivas a prolongarem-se para além do impensável, atrapalhações e demoras burocráticas, corporativismo e prepotência dos magistrados judiciais, falta de seriedade no relacionamento de advogados com os clientes e com os colegas, falta de confiança generalizada nos resultados da Justiça (com todas as consequências perniciosas de quem, desesperado, decide fazer justiça pelas próprias mãos)... não há algo (bastante) de terceiro-mundista a revelar-se numa decisão do Supremo Tribunal Administrativo que ordena o pagamento pelo Estado de uma renda mensal a um homem que espera há vinte anos por uma decisão para o caso em que perdeu tudo aquilo que tinha? Claro, ainda bem que temos instituições a funcionar que velam pelas que não funcionam e, mais importante, por nós. Mas há algo de malsão em tudo isto. Terceiro-mundista? Talvez, muito provavelmente, Sérgio.
Depois, no mesmo post, segue-se a tua inconformidade com o exagero e absurdo das intervenções no Fórum Tsf. Acredito que grande parte dessa tua indignação tenha vindo de uma amostra concentrada de opiniões exaltadas e a quererem fazer-se desesperadamente ouvir, independentemente da maior ou menor razão que poderiam ter.
Penso na Justiça enquanto ambição seminal, talvez utópica, de paz social (sem querer com isto pretender uma revisão de teses penalistas: mantenhamo-nos informais...), até porque a noção de “justo” implica, necessariamente, a invocação de referentes sociais (“o que é justo”, pergunte-se). Ora, tendo isto em conta, considero mais insultuosas do que as declarações precipitadas de pessoas menos informadas – apesar de tudo, a precipitação é um direito delas! – as decisões judiciais baseadas em noções estéreis e carcomidas, tantas vezes desactualizadas e infectadas pelo vírus do medo à autoridade, que tanto criticámos, eu e tu, na nossa passagem pela Faculdade de Direito. Certo, em Portugal gostamos de falar mal uns dos outros. Não elogiamos quando as coisas são bem feitas e preferimos perguntar porque não foram feitas de modo melhor. Mas não é esse um dos males necessários da sociedade democrática, da qual também fazem parte, para além das administrações, mesmo as instâncias judiciais que, sendo autónomas, também trazem consigo lastro de Estado no carácter, devendo estar assim sujeitas às críticas de cidadãos?
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