Para uma ideia pura d’ "O Senhor Dos Anéis"
Já na recta final de exibição, finalmente vi "O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei". O meu juízo sobre a trilogia cinematográfica é, simultaneamente, limitada e impoluta, pois não li os livros de Tolkien. É uma desculpa esfarrapada para um manquejar da crítica. Seja como for, isto é um blog e, como tal, não estou obrigado a nada que não eu mesmo.
É curioso, mas durante o filme lembrei-me de uma curta-metragem vista no último Caminhos do Cinema Português. Chamava-se "O Dilema de Heimlich", tinha sido produzida e realizada no âmbito do cineclube de Torres Novas e contava a história de um dono de tasca explorador e agressivo que consegue pôr toda a família contra ele, incluindo o quase-genro, futebolista admirado no meio local que decide dedicar-se à música. Os actores eram amadores, os meios escassos, e assim se fez uma deliciosa obra trash, capaz de emparelhar a nível nacional com os hilariantes "Kuzz" e "Hitler e Wittgenstein".
Era impossível separar "O Dilema de Heimlich" e, consequentemente, a sua apreciação, do âmbito em que foi produzido. São momentos como estes que colocam a crítica, presumo, na posição difícil de encontrar o seu espaço para além da questão "bom ou mau". A curta de que falo, sendo inegavelmente má (porque insuficiente em tudo aquilo que a fazia: iluminação, representação, som, cenografia, etc), era-o com consciência e, por isso, conseguia utilizar as suas próprias insuficiências como um recurso expressivo válido. Conseguia assim habilmente fazer aumentar o interesse de quem a via, mas essa compreensão (que era, simultaneamente, a sua justificação) dependia do conhecimento da proveniência dela e das limitações a que esta a votava.
É de um modo aproximado que os filmes d’ "O Senhor dos Anéis" acabam por ficar na memória do espectador. Não sendo obras-primas do cinema de aventura - com efeito, nada inventam, só amplificam (osainda demasiado irritantes efeitos digitais, as personagens animadas ao lado das reais, as cenas de batalha, o maniqueísmo) -, eles ganham legitimidade dentro de um círculo muito específico de referências e significantes. Assim, eu arriscaria um pensamento. Parece-me que os filmes do "Senhor dos Anéis" vão para além do cinema, pois não é nele que querem encontrar a sua razão de ser. A ideia de cinema que deles se possa retirar aparece por reflexo, não é ela que os move. E, mesmo sem ter lido a trilogia (aceitando por isso que esta tese tenha a invencibilidade do ar), tudo o que li sobre Tolkien leva-me a ir mais longe e a afirmar que, embora utilizando instrumentos específicos dos meios pelos quais se expressa (os da literatura, no caso dos livros, os do cinema, no dos filmes), este imaginário ultrapassa-os.
Dito mais claramente: o "Senhor dos Anéis" existe num sítio que não é o do cinema nem o da literatura – é antes o da moral, da pseudo-história, da linguístca, da religião; numa palavra, do fantástico enquanto sistema -, mas serve-se do cinema e da literatura para ser, digamos, veiculado. É por isso mesmo que me é difícil julgá-lo, porque ele surge e relega para segundo plano o transporte que no-lo trouxe, este não lhe interessa para nada. Cria um modo próprio de criação. A sua importância está aí e, no que ao cinema diz respeito, ele só deve interessar enquanto convidado, não residente.
É curioso, mas durante o filme lembrei-me de uma curta-metragem vista no último Caminhos do Cinema Português. Chamava-se "O Dilema de Heimlich", tinha sido produzida e realizada no âmbito do cineclube de Torres Novas e contava a história de um dono de tasca explorador e agressivo que consegue pôr toda a família contra ele, incluindo o quase-genro, futebolista admirado no meio local que decide dedicar-se à música. Os actores eram amadores, os meios escassos, e assim se fez uma deliciosa obra trash, capaz de emparelhar a nível nacional com os hilariantes "Kuzz" e "Hitler e Wittgenstein".
Era impossível separar "O Dilema de Heimlich" e, consequentemente, a sua apreciação, do âmbito em que foi produzido. São momentos como estes que colocam a crítica, presumo, na posição difícil de encontrar o seu espaço para além da questão "bom ou mau". A curta de que falo, sendo inegavelmente má (porque insuficiente em tudo aquilo que a fazia: iluminação, representação, som, cenografia, etc), era-o com consciência e, por isso, conseguia utilizar as suas próprias insuficiências como um recurso expressivo válido. Conseguia assim habilmente fazer aumentar o interesse de quem a via, mas essa compreensão (que era, simultaneamente, a sua justificação) dependia do conhecimento da proveniência dela e das limitações a que esta a votava.
É de um modo aproximado que os filmes d’ "O Senhor dos Anéis" acabam por ficar na memória do espectador. Não sendo obras-primas do cinema de aventura - com efeito, nada inventam, só amplificam (osainda demasiado irritantes efeitos digitais, as personagens animadas ao lado das reais, as cenas de batalha, o maniqueísmo) -, eles ganham legitimidade dentro de um círculo muito específico de referências e significantes. Assim, eu arriscaria um pensamento. Parece-me que os filmes do "Senhor dos Anéis" vão para além do cinema, pois não é nele que querem encontrar a sua razão de ser. A ideia de cinema que deles se possa retirar aparece por reflexo, não é ela que os move. E, mesmo sem ter lido a trilogia (aceitando por isso que esta tese tenha a invencibilidade do ar), tudo o que li sobre Tolkien leva-me a ir mais longe e a afirmar que, embora utilizando instrumentos específicos dos meios pelos quais se expressa (os da literatura, no caso dos livros, os do cinema, no dos filmes), este imaginário ultrapassa-os.
Dito mais claramente: o "Senhor dos Anéis" existe num sítio que não é o do cinema nem o da literatura – é antes o da moral, da pseudo-história, da linguístca, da religião; numa palavra, do fantástico enquanto sistema -, mas serve-se do cinema e da literatura para ser, digamos, veiculado. É por isso mesmo que me é difícil julgá-lo, porque ele surge e relega para segundo plano o transporte que no-lo trouxe, este não lhe interessa para nada. Cria um modo próprio de criação. A sua importância está aí e, no que ao cinema diz respeito, ele só deve interessar enquanto convidado, não residente.
<< Home