desabafo
Pela segunda vez, faço uma experiência pouco admitida: escrevo um conto de propósito para um concurso literário. É necessário que o conto verse um tema específico, mas eu não o conheço ou sequer entendo, por isso, limito-me a improvisar um enredo com momentos alusivos a ele. Seja como for, uma observação: ultimamente, não escrevo nada que não verse sobre a memória e a idade. Há sete anos, recordo-me perfeitamente de ter pensado que só escrevia sobre o paralelismo entre o saber e as coisas. Lembro-me também que, nessa altura, zanguei-me terrivelmente com os verbos ser e amar. Hoje, normalizei esse uso e passei a lutar contra os advérbios de modo e os adjectivos. Um dia, talvez consiga assassinar todo o léxico. Por agora, reparo que o enredo me tem saído naturalmente para uma história de amor, de encontros e desencontros tornados interessantes através da reorganização temporal. Curiosamente, tinha acontecido o mesmo da primeira vez em que escrevi um conto de propósito para um concurso. A diferença é que dessa vez conhecia perfeitamente o tema. Mas já começava então à procura do simples. Simplificar, simplificar o mais possível. No início, queria era fazer complicado, hermético, ilegível. Hoje, não. Escrevo para me entender e para que me entendam. Tenho um projecto, um livro com contos e uma pequena novela, à maneira, mas não ao estilo, dos "Los Funerales de La Mama Grande". Os contos estão quase acabados, precisam de correcção e reorganização, mas já passaram o ponto de não-retorno. A novela vem daqui , a concepção que tinha dela mudou, mas nunca perdi o texto ou a história, e isso importa-me muito. Quase tanto como encontrar um editor porreiro. Isso leva-me à frase (julgo que é do Godard) "quando se quer criar uma obra, o escritor senta-se a escrever, o pintor começa a pintar, o cineasta começa a fazer telefonemas" e penso que não é bem assim. Mas amanhã o trabalho é de manhã e eu ainda tenho de arrumar as horas.
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