Um e-mail que um amigo me enviou há poucas horas continha uma anedota. Nada de mais, apenas uma anedota engraçada q.b., que me deu a sensação de "acho que já ouvi, mas". No entanto, fez-me reflectir sobre o humor em Portugal.
Não penso no Gato Fedorento (e nem me vou dar ao trabalho de fazer o link...). Penso no Fernando Rocha, nos Malucos do Riso, nos Batanetes e em todos os demais etceteras vulgares e brejeiros, que, na minha perspectiva, radicam no lendário "Cantinflas Português". A razão por que este tipo de humor tem tanto sucesso, frustrando quem tenta fazer algo de diferente e mesmo engolindo o próprio formato de stand-up que
Pedro Tochas (que se manteve invicto), principalmente, e
Nilton (que não poderá dizer o mesmo) e poucos mais, como as
Produçóes Fictícias, trouxeram para cá, terá sem dúvida a ver com a forma da anedota, diferente da
joke anglo-saxónica que está na base do stand-up. A anedota é, por natureza, exagerada, impossível, foge da realidade em vez de se construir com base nela, e por isso muito dada a temas sexuais ou de sugestão sexual. É por isso que, no dia seguinte a acontecimentos traumáticos, circulam já em Portugal, pujantes e viçosas, anedotas em tom negro sobre esses mesmos acontecimentos. Servirão uma necessidade escapista dos portugueses, mas, para fazer psicografias da nossa alma, não li suficiente Eduardo Lourenço. Seja como for, o primeiro ponto está assente: a anedota é um género predilecto em Portugal e o público prefere quem a saiba servir em formato já conhecido e apreciado.
Se o primeiro ponto tem a ver com um formato, o segundo terá a ver com o modo como a
veia humorística (é lugar comum, mas não me ocorre outra expressão) existe nos portugueses. Desprovidos de uma atitude, como o
witt inglês, criamos momentos. As pessoas riem-se, na generalidade das vezes, contando anedotas umas às outras e os momentos em que isso sucede ganham mesmo uma certa personalidade, quase como um "género de tempo".
(recordo-me da escola: pedíamos aos professores que a centésima aula de uma disciplina fosse "de anedotas", de modo a dar largas a uma certa expansividade teatral que, então, só sabíamos manifestar assim)
Por aqui se explica também a tendência para o humor que temos hoje em Portugal. Em muitos espectadores, a apreciação corresponde a um exercício de memorização de anedotas, com um intuito relacional óbvio e interessante. As séries uniformes de palavrões que Fernando Rocha juntou ou os chavões debitados nos Malucos dos Riso servem a muita gente para olear o trato social, desbloquear conversas e, nos casos mais deprimentes, alimentar a auto-estima. Não vou dizer que isso só revela uma necessidade urgente de educar o gosto do público, embora essa seja uma dimensão problemática da situação. Mas certamente explica algo aos autores sobre o público para quem trabalham e, por isso, deve ser tomado em conta por eles.