Este blog está encerrado.

O autor continua a publicar em http://jvnande.com.

Se quiser ler uma selecção de textos, clique aqui.

o parágrafo que todos os estudantes universitários deviam ler

De todos os sectores postos de parte [pela sociedade tecnológica], o dos estudantes é o mais agitado e, com a excepção dos negros norte-americanos, o mais exasperado. A sua exasperação não provém de condições de vida particularmente difíceis, mas do paradoxo que ser um estudante implica: durante os longos anos em que homens e mulheres jovens estão isolados em escolas de educação superior, eles vivem sob condições artificiais, sendo meio reclusos privilegiados, meio irresponsáveis perigosos. Some-se a isto a extraordinária sobrelotação das universidades e outras bem conhecidas circunstâncias que operam como factores de segregação: seres reais num mundo irreal. É verdade que a alienação dos jovens é apenas uma (e das mais benevolentes) das formas de alienação impostas sobre todos pela sociedade tecnológica. É também verdade que, por causa da própria irrealidade da sua condição como habitantes de um laboratório no qual algumas das regras da sociedade exterior não se aplicam, os estudantes podem reflectir sobre o seu estado e também sobre o do mundo que os rodeia. A universidade é ao mesmo tempo o objecto e a condição da crítica estudantil. É o seu objecto porque é uma instituição que segrega os jovens da vida colectiva e, assim, de certo modo antecipa a sua própria alienação futura. Eles descobrem que os homens são fragmentados e separados pela sociedade moderna; o sistema, como consequência da sua própria natureza, não pode criar uma verdadeira comunidade. E é a sua condição porque, sem a distância que a universidade estabelece entre os jovens e a sociedade exterior, a sua crítica não seria possível e os estudantes entrariam imediatamente no ciclo mecânico de produção e consumo. A contradição é irresolúvel. Se a universidade desaparecesse, também desapareceria a possibilidade de crítica; ao mesmo tempo, a sua existência é uma prova – mais, uma garantia – da permanência do objecto da crítica, ou seja, daquilo que se deseja que desapareça. A rebelião estudantil oscila entre estes dois extremos: a sua crítica é real, as suas acções são irreais. A crítica é certeira, mas as acções não podem mudar a sociedade – e nalguns casos, longe de atrair ou inspirar outros sectores, elas até provocam regressões, como as eleições francesas de 1968.

Octavio Paz, "The Other Mexico: Critique of the Pyramid" (1969)
(tradução e negritos por mim)

Meanings of Life

"Vigaristas de Bairro" no Dn e "O Barbeiro" no Público. Desgracei-me.

Ontem de madrugada

Fui ao cinema com um grupo de amigos. O grupo dividiu-se: alguns rumaram em direcção ao "Scary Movie 3", os outros foram à sessão da meia-noite (formalmente, chama-se Sessão Especial, mas eu prefiro assim) ver um filme francês chamado "Coisas Secretas". Eu fazia parte deste último e, como costumo fazer antes de pagar uma viagem por terras que não conheço, li a sinopse e as críticas. Por entre o tom maioritariamente negativo destas, havia alguns raiares muito entusiastas de agrado. Arrisquei. E devo dizer que me ri muito mais do que imagino que me tivesse rido se tivesse ido ao "Scary Movie 3".

Os franceses sempre tiveram uma veia muito particular para o erotismo kitsch (estou a lembrar-me, obviamente, da invenção do soft-porn com "Emmanuelle"). "Coisas Secretas" leva essa tendência ao extremo do ridículo. A exposição incessante de repetidas práticas sexuais cria a monotonia, a princípio, e o riso a seguir. É verdade que, a dada altura, já não sabemos se nos estamos a rir do filme porque o filme quer que nos riamos dele (lembro-me do Drácula com Udo Kier e produzido pelo Warhol) ou porque ele é torpe na criação da sua própria tese estética baseada no erotismo - sempre o mesmo estafado objectivo, já desde "Emmanuelle"! Mas a sua construção é frágil, porque aposta naquilo que todos os grandes filmes sobre o amor – a bem dizer, sobre a expressão sexual, especialmente genital, do amor ("O Último Tango...", "Intimidade", etc.) - aprenderam a evitar. Deve haver sempre algo mais importante do que o sexo, sempre.

É ainda de reparar na repetição de dois ou três nomes portugueses durante a ficha técnica e sobretudo na estranha acumulação de funções em que aparecem. Uma senhora é actriz e técnica, outra trata do guarda-roupa, da cenografia e da montagem...

entretanto, nas 3 da manhã de casa, a Tvi passa um filme com um dos actores mais fascinantes que Hollywood teve – Jack Palance -, já envelhecido, acompanhado pela Glenn Close e o Christopher Warren. Há lá uma miudita loira que parece mesmo a Reese Witherspoon – mas nova demais para eles estarem tão envelhecidos – ou será que não?

CONSULTADO O IMDB : é mesmo. Trata-se de um telefilme de 1999 chamado "Sarah, Plain and Tall: Winter's End". A rapariguinha chama-se Emily Osment e, na vida real, é irmã do Haley Joel Osment. Win some, lose some...
E, por falar em pintura, o Monet no último livro da Taschen trazido pelo "Público" e um panfleto da Ajuda à Igreja que Sofre perdido por casa juntaram-se-me na cabeça e apercebi-me do quão próximas são as imagens excessivamente pixelizadas dos quadros impressionistas.
"Caravaggio", principalmente pelo claro-escuro transposto para a fotografia, lembrou-me aquilo que se diz sobre um filme recente (e que eu ainda não vi). Será que, se Eduardo Serra vencer o Oscar de Melhor Fotografia pelo "Rapariga com Brinco de Pérola", o Euro 2004 já vai correr bem e toda a gente vai passar a ir direitinha pagar os impostos à Ferreira Leite?

Meanings of Life

O fim-de-semana começa bem. Para já, Marvin Gaye, releitura de Pedro Mexia e a demanda por Carl Bernstein. Por onde anda o homem? Que dupla historicamente curiosa, afinal - Woodward, o vencedor; Bernstein, o romântico. Gosto mais de Bernstein.

(e havia ou não havia uma qualquer coisa de Medeiros no fim d' "As Invasões Bárbaras"???)

Daqui a só um bocadinho, a Rtp1 mostra um "Caravaggio" feito por Derek Jarman (com um "Blue" mais visto, não se teria falado tanto da "Branca de Neve"). "Mother, mother..."
Às compras com a minha mãe, descobri o seguinte no campo das bebidas solúveis:

- Mokambo é uma bebida à base de chicória, cevada e café;

- Pensal é uma bebida à base de cevada (se bem que haja uma variante com mel e uma farinha láctea também chamada Pensal, mas, apesar disso, constituída por farinha de trigo e trigo hidrolisado, sacarose, farinha de gérmen de semente de alfarroba, cacau magro, farinha de alfarroba, oligofrutose e inulina, cloreto de sódio, carbonato de cálcio, vanilina e vitaminas);

- Bolero é uma bebida à base de cevada, chicória e centeio;

- A diferença entre Bolero e Mokambo é que o primeiro tem centeio em vez do café do último;

- Brasa é uma bebida à base de cevada, chicória e centeio;

- Tofina é uma bebida à base de cevada, chicória e café;

- Não parece haver diferença entre Mokambo e Tofina;

- Não parece haver diferença entre Brasa e Bolero;

- A Mokambo, a Pensal, a Bolero, a Brasa e a Tofina são todas bebidas solúveis vendidas pela Nestlé;

- O que quer dizer que, pelo menos por duas vezes no mercado das bebidas solúveis (sucedâneas ou não do café), a Nestlé leva o conceito de fazer concorrência a si própria ao ponto de vender produtos exactamente iguais;

- E que a Nestlé mantém uma situação de quase monopólio nesse campo;

- O que, se não for mais nada, é de muito mau gosto.

- Tanto mais quanto na mesma prateleira estava um produto da mesma empresa, de origem francesa e chamado Ricoré;

- Que é uma mistura só de café e chicória (sem trigo ou cevada).

É fixe ir às compras.
Todo este sururu sobre a intelectualidade que abandona os blogs e volta para os jornais (talvez na ressaca da passagem de ano, talvez para poder encerrar o fenómeno na agenda de 2003) lembra-me a debandada dos não-tão-intelectuais do foto@pt. Não tem nada de extraordinário, só descobriram a brincadeira mais cedo.
Há muitas coisas na minha vida que não estão certas. Tornam-se ainda mais desagradáveis quando:

19:00: numa sessão literária, alguém diz que lhe interessa a incompreensibilidade na poesia "no sentido de revolta contra a razoabilidade que nos rege". É concepção adequada a dar azo a toda uma série de consequências que eu considero funestas e deprimentes. O hermetismo pelo hermetismo terá fascínio?

02:00: fim da sessão da meia-noite. "As Invasões Bárbaras" mal acabadas e já se ouve um muito alegre "foi esse o objectivo do filme!". Bingo, siga a marinha.

O que haverá nas sessões que propicia a conclusões apressadas? Não sei...

Dolls



Eu tenho noção de este filme de Takeshi Kitano não ter sido recebido muito bem pela crítica. Aliás, tenho a impressão que Takeshi Kitano não é bem recebido pela crítica desde a sua aventura americana com "Brother". Não importa muito. Afinal, o que faz Kitano senão uma busca incessante do sentido profundo das emoções humanas? Este filme não fala de outra coisa que não seja o amor e nunca se mostra um beijo entre as personagens. Isso deve dar que pensar.

Dos blogs da Aac

É sabido que a blogosfera sofre de uma tendência congénita para o autismo, para viver e se alimentar de si mesma. Por isso, não deixa de ser curioso que em Coimbra, em consequência da vocação microcósmica do universo estudantil - ou talvez só daquele que tem como centro geográfico a Praça da República, ou talvez só daquele cuja relação com a Aac vai mais além do que a simples frequência do bar -, uma série de blogs tenham recentemente tido uma popularização repentina entre leitores não-bloggers. No caso específico dos blogs que versam a Aac, é nítido que gozam de uma identificação entre transmissor, assunto e receptor (os seus autores, mesmo que predominantemente resguardem a crítica por detrás de um pseudónimo, fazem parte do universo associativo e falam sobre ele para mais quem dele perceba) que aumenta o interesse e garante desde logo uma audiência considerável.

Curiosamente, nenhum destes blogs é muito antigo. O recordações é o mais antigo, de 27 de Outubro do ano passado, só um dia antes do nascimento do blog mais referenciado do grupo, o Pissarolim. Apesar de tratarem da Aac em muitos dos seus posts, a motivação deles é o comentário social não necessariamente restringido ao universo de Coimbra; o Pissarolim é um colectivo satírico que recorre muito a jogos de linguagem e ao absurdo, enquanto o recordações é um blog mais próximo do tipo homepage que, ultimamente, se tem dedicado a criar um index dos blogs de Coimbra. Em Dezembro surgiram o p'ra pila (também do tipo homepage, com actualização irregular), o Pasquim Universitário El Cabron e o Sopa de Legumes. O Os Comunas na AAC já é de Janeiro de 2004. O que explica esta concentração temporal? Muito provavelmente, o período que foi desde as primeiras movimentações para as eleições para a Direcção-Geral da Aac até à tomada de posse da nova direcção encabeçada por Miguel Duarte. O próprio Blog da DG/AAC inicia a sua actividade a 25 de Novembro, “dia que começa a corrida à Direcção Geral da Associação Académica de Coimbra”.

O Blog da DG/AAC, o Pasquim Universitario El Cabron e o Sopa de Legumes são os blogs mais centrados nas actividades da Direcção Geral da Aac. O discurso varia: o Pasquim, que é o melhor a manter o equilíbrio entre o humor e o insulto, ridiculariza através da personagem do Repórter Cabrita, sentinela da vivência universitária; o Blog da DG/AAC tem uma liberdade literária interessante, criando diálogos caricaturais entre figuras típicas da academia (ou personalidades cuja verdadeira identidade se deduz) e escrevendo poemas satíricos; o Sopa de Legumes, com autores não identificados, é, de todos, o mais agressivo, o que se permite menos devaneios no que entende como denúncia do incorrecto e do injusto.

O problema do Blog da DG/AAC e do Sopa de Legumes é que a sua acção não tem beneficiado ninguém, nem a eles próprios. Toda a estrutura política (e a Aac tem, de certeza, tudo para sê-lo) precisa de ser ridicularizada, criticada, vítima do humor. Mas fazê-lo tendo como arma principal a sugestão (que pode não ser gratuita, atenção, mas que também não nos dá essa garantia) e a acusação pouco clara, substituindo ou distorcendo os nomes dos visados – essa crítica é preguiçosa, porque acusa sem se dar ao trabalho de mostrar porquê. Em suma, é crítica que não existe, porque nela não existem críticos nem visados e fica assim com um pé no real e outro na fantasia. Resultado: o que se diz sai amplificado como insulto. De certo modo, são blogs que parecem alcovitómanos. Os seus autores parecem saber algo e conhecem de certeza o meio de que falam. Mas, talvez porque não se querem revelar em demasia ou porque o actual estado de coisas os favorece de alguma maneira, não levam a denúncia até ao fim e ficam-se pelo boato. O que é uma pena.

P.S: Outra tendência cansativa em que o discurso destes blogs algumas vezes cai é a da adopção de um extremismo bacoco (machista, homófobo, reaccionário, etc.). Tanto o Blog da DG/AAC como o Sopa de Legumes caem por vezes nesta fraqueza, mas não há dela melhor exemplo do que o Comunas na AAC. O título é expressivo.
Numa busca sobre as orientações políticas dos jornais dos EUA (vício que me deve ter ficado do ter tentado perceber melhor o "Vou Para Casa" do Oliveira"), descobri este texto.

The Wall Street Journal is read by the people who run the country.

The Washington Post is read by people who think they run the country.

The New York Times is read by people who think they should run the country, and who are very good at crosswords.

USA Today is read by people who think they ought to run the country but don't really understand the Washington Post. They do, however, like their statistics shown in pie charts.

The Los Angeles Times is read by people who wouldn't mind running the country, if they could spare the time, and if they didn't have to leave LA to do it.

The Boston Globe is read by people whose parents used to run the country and did a far superior job of it, thank you very much.

The New York Daily News is read by people who aren't too sure who's running the country, and don't really care as long as they can get a seat on the train.

The New York Post is read by people who don't care who's running the country, as long as they do something really scandalous, preferably while intoxicated.

The San Francisco Chronicle is read by people who aren't sure there is a country .... or that anyone is running it; but whoever it is, they oppose all that they stand for. There are occasional exceptions if the leaders are handicapped minority feminist atheist dwarfs, who also happen to be illegal aliens from ANY country or galaxy as long as they are Democrats.

The Miami Herald is read by people who are running another country but need the baseball scores.

And finally, The National Enquirer is read by people trapped in line at the grocery store.


A Última Tentação de Cristo

Nunca tinha visto este filme maldito de Martin Scorsese. Será que há uma espécie de conspiração silenciosa ou subentendida na televisão portuguesa para evitar filmes susceptíveis de polémica religiosa, como este ou "A Vida de Brian"?...

Devo dizer que provocou em mim uma certa ambivalência. Por vezes, a música era exageradamente kitsch. E havia... ou seja, parecia que o filme, durante muito tempo, estava quase, quase, a tocar aquela corda interior surda em que as coisas por vezes tocam (quando se colocam na situação de só elas poderem dizer aquilo que acabam por dizer), mas depois havia sempre uma distracção qualquer, algum raio de pormenorzito fora do sítio, de plano acabado antes ou depois do tempo, e acabo por pensar que aquilo que o filme tem de fascinante é do romance em que é baseado, não do cinema em que é feito, e que só poderei ter a certeza quando o vir uma segunda vez, em que o pormenor caia e fique só o esqueleto em que o filme se aguenta.

O que não significa que não o ache um filme necessário. Simplesmente, não sei se será um filme primoroso.

P.S: não deixa de ser curioso que um dos meus filmes preferidos de Scorsese, "O Cabo do Medo", tenha sido o filme comercial que a Universal exigiu ao realizador como contrapartida por deixá-lo realizar este "A Última Tentação de Cristo".


Pelo meio de sonos ácidos, lagartos indianos em vaivém na memória e fantasmas de árvores no cimo de colinas que renascem das cinzas, descobri o troço de linha ferroviária mais bonito de toda a Europa. Entre Castelo Branco e Alferrarede, o sonho mora no rio e a realidade no monte. Mais à frente, o Herberto Hélder.

Na linha em baixo rangiam e apitavam comboios que talvez fossem para Antuérpia. Eu pensava em Deus quando os comboios trepidavam nos carris e apitavam tão perto de mim. Quando iam possivelmente a caminho de Antuérpia. Pensava nos comboios como quem pensa em Deus: com uma falta de fé desesperada. Pensava também em Deus – um comboio: algo que sem dúvida existe, mas é absurdo, que parte com um destino indefinido: Antuérpia – que possivelmente (evidentemente) não era.

Não vi Coimbra à luz do dia, mas ontem foi, seguramente, um dia muito agradável.

Big Fish


Tim Burton parece reencontrar-se depois do fim da macacada n' "O Planeta dos Macacos". Não é o melhor Tim Burton de todos os tempos (não sei até que ponto o realizador não estará preguiçosamente a repetir as suas marcas características), mas há histórias que comovem e outras que não. Esta comove = chega às emoções do espectador = merece pelo menos o seu respeito.
No coloridamente intitulado "Os livros de Hélice Fronteira, Regina Neri, Vasquinho Dasse, Ivo Longomel, Adraar Bous, Robes Rosa, Estevão Corte e Alexandre Singleton", Nuno Moura inventa uma série de personagens e escreve o livro de poemas de cada uma. Não foi completamente do meu agrado, porque Moura parece que às vezes cai no dizer por dizer, num discurso excessivamente desconexo que procura assim o efeito pelo efeito. Mas, pelo menos, é divertido. E este poema vale o pouco que o livro custou numa feira.

Diz-se às vezes da poesia
o que o matreco diz
de uma mão sem pulso.

21 Grams




Antes de mais nada, há actores. Apesar de Naomi Watts começar a parecer um bocado repetitiva nos seus registos, Sean Penn é dos melhores na sua profissão e Del Toro impressiona sempre pelo seu sentido ético, pelo modo como aceita o abandono de si mesmo em relação à personagem. Melissa Leo, que já dava ares da sua graça na Rtp2, em "Brigada de Homicídios", traz-nos uma personagem pungentemente composta. A fotografia de Rodrigo Prieto também impressiona. A imagem é crua e saturada, deixando-se invadir pelas várias temperaturas de luz como se nada pudesse ser feito. Pouco importa, afinal; o filme é pelos (e, se calhar por isso, também dos) actores. Por isso, mostra-se acertada – e nem por isso monótona - a opção pelo predomínio de enquadramentos do peito para cima. Isso, claro, obriga a uma representação muito mais centrada na expressão, e por isso mesmo o casting foi feliz.

Iñárritu realizou "Amores Perros", já ele filme que parte de um acidente de automóvel. Talvez possamos pensar neste "21 Grams" como variação sobre o mesmo tema, já que aquela primeira obra tratava principalmente das implicações da deformação física, ou melhor, da irredutível dimensão corporal da existência humana e a vulnerabilidade a que, por essa via, ela está votada. Isso ainda está em "21 Grams", mas por baixo de uma temática principal: a morte e as suas consequências nos vivos.

[Iñárritu tem uma visão curiosa do espaço. Repare-se no videoclip de "Avientáme", extra no DVD de "Amores Perros", e tirem-se daí as conclusões que forem precisas sobre a sua concepção do desenvolvimento das relações em espaços fechados, de recolhimento longe da rua, lugar venenoso em que as perversões e os perigos andam à solta. Não há ar livre sereno em Iñárritu]

O problema de "21 Grams" está na montagem irritante com que o realizador parece querer fixar uma imagem de marca estilística. Não é que o tema não se prestasse a isso. As histórias das três personagens principais, é óbvio, tendem a entrelaçar-se. Mas não há nada para além disso que justifique a sobreposição temporal, até porque a meio do filme parece que se desiste dela para optar por uma narração linear. Com as devidas diferenças, Iñárritu parece ter caído num erro parecido ao de Schumacher em "Phone Booth": acabou por perder o filme que tinha nas mãos porque quis fazer dele mais do que realmente era. "21 Grams" podia ser um "road movie" mágico, um filme brutíssimo concentrado na intensidade moral das personagens e no choque entre elas. O mais triste é que o filme parece poder ter sido tudo isso a dado momento da sua concepção. E depois veio a tesoura da sala de montagem a igualar os núcleos narrativos e a tensão dramática que eles continham e isso perdeu-se.

ainda sobre "Do The Right Thing"



Há um momento do filme que não me sai da cabeça. Mookie pega no caixote do lixo com ar displicente e atira-o contra a vitrina da pizzaria, iniciando fisicamente o saque que estava iminente. O acto não é lógico: Mookie ainda minutos antes tentava impor a ordem na pizzaria; ao quebrar a vitrina, ele estava conscientemente a destruir o lugar onde tinha o seu emprego; o seu patrão nunca chega depois a censurá-lo em específico por essa falta.

Duas interpretações surgem-me para este momento. Ou Spike Lee quer com isto mostrar que o ódio racial é algo que se vai insinuando lentamente e que explode em motins que não são mais do que uma suspensão da realidade e das relações sociais do quotidiano até aí existentes, ou pretende insinuar-se a intenção de Mookie de salvar o patrão e os filhos, direccionando a fúria da multidão contra a pizzaria em vez de contra eles, o que poderia explicar o seu ar resignado ao fazê-lo.

o neo-artesanato

depois de um fim-de-semana entretido a alterar o template do blog (e depois de uma conversa com um amigo sobre as relações entre o culto às Holga e o tuning nos automóveis), apercebi-me que há em todas estas manifestações de tecnologia e mecânica modernas (blogging incluído) o mesmo impulso de perfeccionismo e de paixão pelo objecto criado que há em qualquer artesão. Da ráfia e do ferro forjado aos zeros e uns, afinal, o caminho é muito curto.

"Do The Right Thing"/"Não Dês Bronca" estava no programa da cadeira de História e Estética do Cinema, mas só tive oportunidade de vê-lo ontem. É curioso ver como, antes de "A Última Hora", a "primeira" obra-prima de Spike Lee (que reúne as linhas-mestras de toda uma primeira fase do realizador) já incluía o monólogo directo para a câmara como modo de parênteses emocional, a temperatura como detonador da história e elemento essencial para a sua compreensão e, muito principalmente, a construção duma tese através de um método expositivo que evidencia uma espécie de saturação e que se resolve tragicamente, porque não poderia ser de outro modo.


A minha orientação política, segundo o Political Compass, é quase de extrema esquerda.

Posição Económica (Esquerda/Direita): -8.50
Posição Social (Libertário/Autoritário): -6.41
« Home | Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »
| Próximo »


jorge vaz nande | homepage | del.icio.us | bloglines | facebook | e-mail | ligações |

novembro 2003 dezembro 2003 janeiro 2004 fevereiro 2004 março 2004 abril 2004 maio 2004 junho 2004 julho 2004 agosto 2004 setembro 2004 outubro 2004 novembro 2004 dezembro 2004 janeiro 2005 fevereiro 2005 março 2005 abril 2005 maio 2005 junho 2005 julho 2005 agosto 2005 setembro 2005 outubro 2005 novembro 2005 dezembro 2005 janeiro 2006 fevereiro 2006 março 2006 abril 2006 maio 2006 junho 2006 julho 2006 agosto 2006 setembro 2006 outubro 2006 novembro 2006 dezembro 2006 janeiro 2007 fevereiro 2007 março 2007 abril 2007 maio 2007 junho 2007 julho 2007 agosto 2007 setembro 2007 outubro 2007 novembro 2007 dezembro 2007 janeiro 2008 fevereiro 2008 março 2008 abril 2008 maio 2008 junho 2008 julho 2008 agosto 2008 setembro 2008 outubro 2008 janeiro 2009 fevereiro 2009 março 2009 maio 2009 junho 2009 julho 2009 agosto 2009