no Tropical
(a pedido de uma amiga, recupero este texto, que escrevi no longínquo ano de 2003 para A Cabra)
Aos Domingos, a porta de metal verde não se abre. Fica ali a descansar ou a fazer saudades a quem se acostumou a passar por ela de tal modo que já não sabe para onde mais ir. São quatro anos. Todos os dias, depois do almoço e depois de jantar, pelo menos um cappuccino por dia. Chegar lá, sentar-se, ouvir a ladainha do costume, cafés, cafés, quem quer cafés, era um cappuccino, sr. Madeira, Carlos, João, Ricardo, Filipe, Pedro, Ronald, era um cappuccino, se faz favor. Às vezes, nem é preciso dizer nada. Sento-me lá e deixo-me estar, as coisas não tem de ser automáticas, sentar, beber, ir embora, não, não tem de ser, peço depois. Sento-me lá e fico a olhar para tanta gente diferente, as mesas cheias, a rapariga de cabelo amadeixado de louro e argolas de aro que lhe enquadram a bochecha da cara, o actor de televisão e de teatro que toda a gente conhece mas que ali (cá entre nós?) é mais um, mesmo que alguém vá virando a cabeça de vez em quando para ver melhor e ter a certeza de que o homem também existe e é feito de carne e osso que morrem se uma bala os atravessar, os miúdos mais velhos do liceu lá ao lado, os músicos que dão concertos patrocinados pela Ruc no Tagv e que depois vão para a esplanada beber cervejas de pé, o homem moreno e de casaco de couro, cara de quem já viu muito, sabe-se lá o quê, se calhar até pode não ter visto nada de nada, mas quem vê caras não vê olhares e aquela é cara de quem já viu muito, o que é que se há-de fazer?
Uma vez, uma amiga minha disse-me que não gostava do Tropical. Que demoravam muito a servir o café, que era demasiada gente, confusão a mais. Eu digo que há sítios feitos para matar necessidades e outros para que gostem deles. Como nunca compreendi as pessoas que correm demais de um lado para o outro, eu prefiro as coisas de que possa gostar. Não se passa pelo Tropical, está-se lá. Se o fizermos durante tempo suficiente, ele entra dentro de nós. A esplanada, que este ano ganhou um toldo; a parte de cima, que dantes era mais pequena e alargaram com uma plataforma há algum tempo; a de baixo, iluminada por aquelas enormes janelas que, de vez em quando, se se olhar da maneira certa, parecem um aquário do mundo, com as pessoas a nadar na luz do sol como peixes perdidos em caixas confusas. No Tropical, conheci mulheres, beijei-as, esqueci-me delas; no Tropical, terminei livros em tardes de Sábado; no Tropical, uma amiga chorou no cortejo da Queima, porque se lembrou de que ia voltar para Esposende no fim deste ano e, de repente, a pergunta lhe caiu em cima: onde vou tomar café agora?
Tenho noção de que o Tropical é já bastante antigo, mas nunca soube exactamente a sua idade. Quando penso nisso, lembro-me dos Beatles ("there are places I'll remember all my life..."). E sorrio, porque a idade do Tropical, seja ela qual for, será sempre a nossa. Estejamos nós onde estivermos.
Aos Domingos, a porta de metal verde não se abre. Fica ali a descansar ou a fazer saudades a quem se acostumou a passar por ela de tal modo que já não sabe para onde mais ir. São quatro anos. Todos os dias, depois do almoço e depois de jantar, pelo menos um cappuccino por dia. Chegar lá, sentar-se, ouvir a ladainha do costume, cafés, cafés, quem quer cafés, era um cappuccino, sr. Madeira, Carlos, João, Ricardo, Filipe, Pedro, Ronald, era um cappuccino, se faz favor. Às vezes, nem é preciso dizer nada. Sento-me lá e deixo-me estar, as coisas não tem de ser automáticas, sentar, beber, ir embora, não, não tem de ser, peço depois. Sento-me lá e fico a olhar para tanta gente diferente, as mesas cheias, a rapariga de cabelo amadeixado de louro e argolas de aro que lhe enquadram a bochecha da cara, o actor de televisão e de teatro que toda a gente conhece mas que ali (cá entre nós?) é mais um, mesmo que alguém vá virando a cabeça de vez em quando para ver melhor e ter a certeza de que o homem também existe e é feito de carne e osso que morrem se uma bala os atravessar, os miúdos mais velhos do liceu lá ao lado, os músicos que dão concertos patrocinados pela Ruc no Tagv e que depois vão para a esplanada beber cervejas de pé, o homem moreno e de casaco de couro, cara de quem já viu muito, sabe-se lá o quê, se calhar até pode não ter visto nada de nada, mas quem vê caras não vê olhares e aquela é cara de quem já viu muito, o que é que se há-de fazer?
Uma vez, uma amiga minha disse-me que não gostava do Tropical. Que demoravam muito a servir o café, que era demasiada gente, confusão a mais. Eu digo que há sítios feitos para matar necessidades e outros para que gostem deles. Como nunca compreendi as pessoas que correm demais de um lado para o outro, eu prefiro as coisas de que possa gostar. Não se passa pelo Tropical, está-se lá. Se o fizermos durante tempo suficiente, ele entra dentro de nós. A esplanada, que este ano ganhou um toldo; a parte de cima, que dantes era mais pequena e alargaram com uma plataforma há algum tempo; a de baixo, iluminada por aquelas enormes janelas que, de vez em quando, se se olhar da maneira certa, parecem um aquário do mundo, com as pessoas a nadar na luz do sol como peixes perdidos em caixas confusas. No Tropical, conheci mulheres, beijei-as, esqueci-me delas; no Tropical, terminei livros em tardes de Sábado; no Tropical, uma amiga chorou no cortejo da Queima, porque se lembrou de que ia voltar para Esposende no fim deste ano e, de repente, a pergunta lhe caiu em cima: onde vou tomar café agora?
Tenho noção de que o Tropical é já bastante antigo, mas nunca soube exactamente a sua idade. Quando penso nisso, lembro-me dos Beatles ("there are places I'll remember all my life..."). E sorrio, porque a idade do Tropical, seja ela qual for, será sempre a nossa. Estejamos nós onde estivermos.
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