Ao contrário do
Pulo do Lobo ou do
Super Mário,
A Peste não é um blog com programa. Não depende do advento de umas eleições para existir, não acabará com a vitória ou derrota de um candidato no dia 22 de Janeiro e não serve para apoiar ninguém. A Peste é um blog segundo o que para mim deve ser um blog: um reflexo da personalidade do autor. E eu penso e afirmo aquilo que me parece razoável e, por isso, não me oponho a que qualquer pessoa pense e afirme o que lhe parece razoável. Eu gostava sinceramente de ler ou ver algo que me fizesse pelo menos acreditar que alguém poderá ter razões lógicas e honradas para votar Cavaco nestas eleições. Terei lido algo deste cariz sobre qualquer outro candidato? Com poucas excepções, acredito que não. Mas atentemos a um ponto: é Cavaco quem, no seu discurso, foge mais à lógica normal da campanha para um Presidente da República - uma cargo neutral a que cabe a garantia do regular funcionamento das instituições políticas, ou seja, o equilíbrio entre os poderes legislativo, executivo e judicial, sem perder de vista as Forças Armadas, as religiões e todos os outros grupos, maioritários ou minoritários, com relevo na vida democrática - e, em vez de esclarecer quanto à sua capacidade para desempenhar um cargo deste tipo, vem aludir a um objectivo com tom executivo: sair da crise. Não espanta por isso que seja ele o candidato mais questionado sobre as suas intenções - porque faz propostas atípicas de um candidato a Presidente da República.
À partida, nunca poderaria votar Cavaco, e já disse
o que tinha a dizer sobre isso. Mas, se eu fosse um indeciso, o que faria? Vamos ver.
Cavaco diz que os seus Governos foram bem sucedidos economicamente e, por isso, ele é o homem a ser eleito, porque ajudará o país a sair da crise (e já ouvimos o candidato a falar de todos aqueles que, em crise, gostam de ser lembrados: os reformados, os estudantes, os desempregados, licenciados ou não, os pobres, etc.). Pergunta: enquanto Presidente da República, pode fazer algo concreto quanto a isso (aprovar leis, propô-las à Assembleia da República, decidir medidas executivas)? Resposta: não. Apesar de Rui Machete e Pinto Balsemão, seus apoiantes, terem defendido a alteração da Constituição para um regime presidencialista (caso em que eu, indeciso, rejeitaria imediatamente o candidato, já que eleger alguém que pretende à partida reforçar o poder que a Constituição lhe atribui pode valer na Venezuela, mas não vale neste momento em Portugal), Cavaco afirma no seu
Manifesto que actuará no quadro das competências prescritas pela Constituição, por isso, deve-se-lhe dar o benefício da dúvida. O que pode fazer então? Cavaco, até agora, propôs duas soluções: primeiro, fazer propostas/sugestões de legislação ao Governo; segundo, orientar, animar, empurrar o país na direcção certa.
Vamos à primeira opção. Cavaco tem uma reunião com o Primeiro-Ministro e diz-lhe "acho que é bom legislarmos neste sentido". O Primeiro-Ministro responde "não farei tal", seja lá por que razão (a proposta não cabe no seu programa de Governo, considera que não é o momento mais oportuno para legislar naquela matéria ou naquele sentido, seja lá o que for). O que faz Cavaco? Essa pergunta já lhe foi posta muitas vezes, ele não respondeu. Mas, das duas, uma: ou se cala, diminuindo-se politicamente perante o Primeiro-Ministro e, como ele, perante todas as outras instituições políticas cujo funcionamento lhe compete supervisionar, comprometendo o exercício futuro do cargo; ou começa uma espécie de chantagem política, vetando todos os diplomas que o Governo lhe vai enviando para promulgar até que, finalmente, se faça como ele deseja. Perante estas conclusões, eu, indeciso, não estou disposto a votar num candidato que se prepara para diminuir o cargo para que vai ser eleito ou para impor a sua vontade quando tal não é suposto e é mesmo contrário àquilo que o exercício desse mesmo cargo deve ser.
Segunda opção: Cavaco anima o país para que não se deixe abater. Pergunta: como? Pelo meio descrito na primeira opção, evidentemente. Mais uma vez, Cavaco não concretiza. Mas vamos para aquilo que é lógico: interpelações ao portugueses, recados ao Governo, aos partidos e aos chefes dos grupos parlamentares, conversas com os empresários e os sindicatos, etc. Será isto, portanto. Mas em que é que isto distingue Cavaco de qualquer outro candidato? Não se propõem modos novos de actuar, presume-se, já que Cavaco não os apresentou. Então, voltamos às razões iniciais que me levam a recusar Cavaco: o seu carácter autoritário, rígido e que reduz as questões sociais aos acordos salariais conseguidos com os parceiros sociais durante os seus Governos. Terá Cavaco um carácter adequado para executar as tarefas descritas? Não me parece. Mais uma vez, eu, indeciso, decido contra Cavaco.
O irritante em posts como
este e em blogs como o
Pulo do Lobo e o
Super Mário é que tomam de início uma posição que não estão dispostos a discutir. Estão do lado da propaganda, não da razão. A sua liberdade de pensar e de discutir razoavelmente fica, assim, inquinada desde o início. No post mencionado,
João Caetano Dias coloca-me no Circo Voador de Mário Soares e ri-se das citações que lá coloca. Está duplamente enganado: não só eu não estou num circo, pois não sou macaco de ninguém, como não acho piada nenhuma a isto. Trata-se de umas eleições para um alto cargo político e quem se ri das opiniões dos outros num assunto que é do respeito de toda a gente não merece consideração. Desafio João Caetano Dias a concretizar os raciocínios que acima ponho de uma maneira diferente. Gostaria muito de ler as suas razões. De certeza que são melhores do que os seus disparates.