Há duas razões para eu gostar de Peter Weir. Primeiro, um dos filmes que, de certeza, vi mais vezes é “Dead Poets’ Society”. Lembro-me de aqui há uns tempos ter lido alguém que dizia que esse filme recorre a truques pequeno-burgueses para conseguir equivalentes emoções do espectador. Devo dizer que isso não me importa mesmo nada. Antes pequeno-burguês do que aristocrata. O filme é uma bela tradução para o universo juvenil de um ideal romântico, é perfeito na sua expressão do grupo e das variantes que o compõem e, acima de tudo, a sua belíssima cena final nunca cessa de me arrepiar, pois recorda-me algo em que penso sempre (graças principalmente, mas não só, às manhãs de Introdução ao Direito com o poético Pinto Bronze) como a minha “idade heróica”.
A segunda razão para eu gostar de Peter Weir é “The Truman Show”, que vi duas vezes, (fenómeno raríssimo, ainda mais porque fui eu a pagar o bilhete das duas). Fi-lo porque, com e por ele (não só, mas também e principalmente), mudei a concepção do que seria para mim um “bom” filme. Saído do Secundário, sobreconsiderava, parece-me, autores como Peter Greenway , no sentido em que para mim era um bom objecto artístico – e não só cinematográfico - aquele que enveredasse por grandes desenvolvimentos formais, sobreposição de dimensões (narrativas, temporais, espaciais, enfim...), hermetismos de linguagem que obrigassem a grandes pesquisas bibliográficas e referências multidisciplinares exaustivas. “The Truman Show” obrigou-me a reconsiderar. Fazendo um apelo directo ao espectador e surgindo na altura mais oportuna possível (quando “Big Brother” ainda era um embrião que esperava por ramificar tentáculos a partir da Holanda), o filme moveu-me, fez-me pensar. It reached me, como se diz. E porquê? Aquilo que de mais complicado havia era só o evidenciar das câmaras televisivas – a câmara de cinema era invisível, a de televisão era intrusiva e indiscreta, ou seja, o cinema mostrava a realidade, a televisão invadia-a. Mas aquilo dava-se a entender, abria-se a mim. Eu não tinha de conquistar o filme como uma montanha inacessível, ele estava lá. O que não teria eu visto se não tivesse visto então “The Truman Show”? Uma data de coisas belíssimas que teria desconsiderado por demasiado fáceis. Um filme tem de marcar, surpreender, ser um espelho concentrado do mundo que, por demasiado belo, ofusque o olhar de quem no mundo vive. Pouco importa aquilo que tem por trás, o que esconde, se não conseguir atingir esse objectivo. Uma pessoa só quer ler o que está por trás do filme para perceber o que há nele que a fascinou. Antes do porquê, deve vir o sentir. E ele pode estar sozinho. Interrogar sem sentir é bom para académicos ou para chatos.
Tudo isto porque ontem fui ver “Master and Commander”. Não é muito, muito bom. Mas serve para reavivar a memória. E para ver Russell Crowe, que, quer se goste quer não, não é nenhum Vin Diesel.
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