O crédito
Já escrevi em várias oportunidades anteriores que o crédito mal-parado, quer do lado da oferta, quer do lado da procura, pode ser um veneno corrosivo (as excepções não o são bem, porque fazem-se num quadro diferente) . O que estes senhores fazem é oferecê-lo ao nível empresarial e através de um site muito pouco sedutor.
O que resta dizer é que, ao contrário do que já me foi apontado, eu não tenho nada contra quem pede um crédito e muito menos contra quem fica numa situação desagradável por causa disso mesmo. Tenho, sim, algo contra o luxo e, mais ainda, contra o fabrico da necessidade, quer de um, quer de outro. Ora, eu reparo que, se os consumidores fabricam a necessidade de luxo (por definição, não necessário), as linhas de "crédito fácil" baseiam a actividade precisamente no fabrico da necessidade do crédito, num raciocínio muito semelhante, por exemplo, ao das TeleVendas. Como dizia o Jerry Seinfeld numa piada já clássica, quem é que nunca pensou enquanto via televisão às duas da manhã "eh pá, dava-me mesmo jeito aquela faca que corta sapatos"? A entrega de dinheiro anunciada como "sem perguntas, por telefone, na hora" cria o mesmo tipo de apetência: de certo modo, faz nascer no espectador a disponibilidade, até aí inexistente, de ponderar essa opção. E eu acho que isso não é legítimo.
o partido
o filme
"Match Point" é poderoso e é do melhor que Allen fez, mas, como não sou dos que menoriza toda a sua obra recente (enfim, "Vigaristas de Bairro" não tem grande escapatória), também não me parece que haja um espaço intransponível entre ele e o resto.
o poema
No Reino da Poesia
(a Carlos Drummond de Andrade)
Não escrevas poemas
sobre ti.
Não chames a atenção
para o que revelas
ou faças confissões.
Mesmo se tencionas
expiar a dor,
ultrapassar a culpa,
acalma a
raiva compreensível,
não escaves
o luto da tua mãe,
tormento sexual do irmão,
ladroagem da irmã,
auto-ódio do pai,
fortuita carta astral de padrasto.
Sentimentos não são poemas.
Parentes, devem-se deixar
onde se encontram,
num bueiro
ou caixa registadora.
Não escrevas poemas
sobre outros.
Deixa de fora maridos,
divorciados, alcoólicos,
adolescentes borbulhentos e enfermeiras.
Já existe demasia
de maus argumentos de filmes.
esquece amigos
e inimigos,
aniversários
e momentos especiais.
Alguém no negócio dos postais
já cobriu esses tópicos.
Não escrevas sobre
o que acontece no mundo,
a criança perdida
e os restos humanos,
a praia em chamas
e a página engolida,
o quinquagésimo
discurso do presidente.
O que aí aconteceu
não é um poema.
Não tentes provar
o sensível que és.
Outros já
reclamaram ser plantas.
Não é necessário demonstrar
o insensível que és.
pois isto é já
um facto incontestável.
Não escrevas poemas
que liguem
um evento comum
na tua vida
– barbear, ajustar o soutien, andar de metro
admirar pôr-do-sol especialmente pitoresco –
a um momento histórico significativo
– pogrom, fome, exílio, assassínio –
ou a um mito – estupro, ciúme ou rejeição -
na verdade a qualquer coisa com tema.
Poemas não são dissertações
apresentadas em conferências.
Não cantes as maravilhas da cidade
nem alistes as virtudes da vida rural.
Não fales de cisnes,
mortadela, secura dos olhos,
ou filósofos de uma orelha.
Piqueniques e pinturas não são poemas.
Não recorras ao drama
ou à mentira.
Não partas
da tua ânsia.
Devem-se deixar os segredos
onde estão.
Não te levantes
num teatro em chamas
e proclames
“ninguém ouve a poesia.”
Não escrevas poemas
sobre poetas
que são mal pagos.
Deita fora
as memórias,
enterra os teus espelhos.
a crítica
Não importa aqui muito o facto de a minha intenção não poder estar mais longe da delineada por José Mário Silva. Aliás, não acho que, à partida, a intenção de um autor seja assim tão importante para a discussão da sua obra. Mas, exactamente por isso, creio era escusado para José Mário Silva, crítico literário, entrar por um terreno que de literário não tem nada. Enquanto autor, isso não me ajuda e parece-me um caminho demasiado fácil.
Os livros
A maior parte dos livros apresentados no certame, organizado pela Interlivro, já não está disponível nas livrarias, tendo sido retirados dos escaparates após o chamado "período de novidade" — os três meses seguintes ao lançamento. (...) Todos os livros oferecidos nesta iniciativa têm mais de oito meses de edição e estão com, pelo menos, 50 por cento de desconto.Eu, que só extraordinariamente compro livros acabados de sair, acho que metade de um preço pode bem valer bem oito meses de espera.
a excomunhão
Acho bem que expliquem os perigos do aborto às pessoas, principalmente a nós, os mais velhos, que nunca estudámos. O que sabemos é através daquilo que vemos na televisão.Tenho pena da Sra. Piedade Godinho, de Castelo de Vide. Para além de pensar que a excomunhão é um dos perigos do aborto que mais importam, só tem a televisão como alternativa ao cónego Tarcísio Alves.
Será que sou excomungado se disser que o cónego Tarcísio Alves é um pateta e que as suas palavras estão para a discussão sobre o referendo como o terrorismo para a política internacional?
a cinefilia
Se não me engano, foi João Lopes, num artigo da última Premiere, que escreveu algo como a superioridade das séries norte-americanas e a sua disponibilização em DVD anunciar uma substituição - ou talvez um "upgrade" - da cinefilia por uma "sériefilia". Sobre o futuro dessa mesma cinefilia , debruçou-se João Lopes em Dezembro no seu blog (1,2,3). A minha opinião sobre "Borat" não é desfavorável como a dele, mas também não acho que o filme seja um marco de viragem na relação do público com o cinema (poderá provar que ela já mudou entretanto, mas não a provoca). Também não acho que os imbecis que importunaram o crítico sejam representativos de alguma coisa para além da sua própria imbecilidade. Como cinéfilo, declaro publicamente que eles não me representam.
Eu acho que o futuro da cinefilia passará inevitavelmente pela actuação do espectador relativamente à obra. Com a facilitação do acesso às técnicas audiovisuais e de exibição permitidas pelos computadores e pela Internet, o espectador de cinema, no fim de contas, caminha para o abandono do seu papel passivo enquanto receptor na sala de cinema e para o de transfigurador da matéria fílmica, de reformulador da mensagem artística que o cineasta despoletou, mas não acabou. O YouTube potencia isto, mas podemos identificar a viragem na altura em que a edição não-linear se tornou a norma, em que se começou a digitalizar o negativo para montar no computador.
O mais curioso é que um dos primeiros exemplos desta expressão da cinefilia que vi veio do próprio João Lopes: a curta "Paisagens Intermédias" no DVD de "O Delfim" de Fernando Lopes, onde ele edita as imagens e sons deste filme com os de "Uma Abelha na Chuva", do mesmo realizador, salientando assim as linhas de continuidade entre as duas obras. Isto foi um anúncio do presente: hoje, já Quentin Tarantino e Robert Rodriguez promovem um concurso de trailers para o seu filme por estrear, já Lynch confessa o seu amor ao digital e à Internet, já se fazem filmes em segmentos não-lineares com David Straithairn. Entretanto, as curtas-metragens começam a ir para a Internet, não de forma pirata, mas legitimamente, pelos próprios festivais - repare-se no Fotogramas en Corto, no Notodofilmfestival, no próprio festival de Sundance! - ou em sites de exibição directa on-line.
A aproximação, e consequente confundibilidade, entre criador e espectador e a maleabilidade do material fílmico por este parecem-me os caminhos futuros do cinema. A apropriação mental da gramática audiovisual finalmente foi acompanhada pela disponibilidade técnica da montagem. E isto não põe em causa o amor - a filia - do cinéfilo. Afinal, no Brasil, até já há quem queira fazer dele lei...
o aborto 5
o aborto 4
Agora, eu também conheço quem tenha interrompido a sua gravidez e sei que isso não é algo que se faz com a facilidade de quem decide ir comer um gelado ao café da esquina. É uma atitude de grande abnegação e sofrimento, principalmente para quem não quer deixar de ser mãe mais tarde. Como pode uma sociedade equilibrada reputar como criminal uma conduta que, na esmagadora maioria dos casos, é tão susceptível de perturbação para a própria "criminosa"? Eu acho que não pode e espero um dia ser cidadão numa comunidade que também entenda assim.
o aborto 3
O curioso dos movimentos pelo "não" é que dão a entender que a escolha é algo como "ok, amigos, a partir de agora, queremos que as mulheres tenham filhos ou deixem de ter filhos?" . Notícia, senhores: as mulheres já interrompem as suas gravidezes agora, e não nos sítios mais recomendados. Nós só vamos escolher se queremos que elas possam ser condenadas por o terem feito, desde que o façam num estabelecimento de saúde certificado. Só isso, senhores. Calma.
Mas, já agora, onde estão os senhores antes dos anúncios de referendos, pergunto eu? Não os vejo a a entregar assinaturas à porta das abortadeiras.
o aborto 2
You know who's really bugging me these days? These pro-lifers... You ever look at their faces?... "I'm pro-life!" "I'm pro-life!" Boy, they look it, don't they? They just exude joie de vivre. You just want to hang with them and play Trivial Pursuit all night long. You know what bugs me about them? If you're so pro-life, do me a favour - don't lock arms and block medical clinics. If you're so pro-life, lock arms and block cemeteries. I want to see pro-lifers at funerals openings caskets - "Get out!" Then I'd really be impressed by their mission.Bill Hicks (set censurado em 1 de Outubro de 1993 pela produção do programa de David Letterman).
o aborto
o fim dos patinhas e o português em áfrica
Já agora, um desabafo: a edição fazia-se cá há 26 anos, idade que eu fiz em Dezembro. Talvez fosse melhor darem-me já um tiro de misericórdia, não?
Mais à frente na mesma revista, Fernando Sarmento, o fundador da Editora Morumbi (predecessora da edimpresa), diz que acha que o regresso das edições brasileiras é um "erro muito grave" e que "nós já estamos a perder o comboio da língua em Angola porque os brasileiros estão a ir para lá, a sua terminologia está a vingar". Isto é verdade, mas é também ilusão. Não só graças a uma maior identificação cultural, mas principalmente graças à força imensa de exportação comercial da sua cultura popular (principalmente televisão e música), o Brasil está a conquistar a África lusófona. Do mesmo modo, de resto, que conquistou Portugal há umas décadas. Isto não é uma luta entre o Brasil e Portugal pelos irmãos que estão a crescer: a influência portuguesa, pareceu-me, ainda predominava nas livrarias de Maputo quando lá fui em Julho, mas, naturalmente, cada vez mais deixará de o fazer, pois na discoteca ouvia-se muito mais música brasileira. Eu já ouvi falar em acordos ortográficos para deixar de haver várias línguas portuguesas, mas não sei de que modo, a que nível, este se impõe. Se for do gabinete do ministro, já se provou, não funciona. Prefiro que uma variante linguística se imponha naturalmente a que outra se perca artificialmente.
a companhia aérea
Diz também que estes senhores fazem voos baratos de Lisboa para Londres. O chato é que, se eu quiser ir a Espanha ver se a minha propriedade ainda está torero-free, tenho de ir a Inglaterra e apanhar outro avião. Portanto, eu não recomendo a junção desta companhia com esta. A menos, é claro, que a propriedade esteja em Inglaterra. Mas, por outro lado, em Inglaterra não há toureiros. Então, para que me serve voar?
a bússola
Ao que parece, este site permite comprar propriedades em Espanha. Não sei se traz touros incluídos. Mas garante-se que as propriedades estão livres de toureiros, o que já é bom. Não é piada. O abandono das tradições leva a que haja cada vez mais toureiros sem-terra em Espanha a ocupar propriedades onde se possam tourear uns aos outros. É uma vergonha. O governo Zapatero bem tentou acabar com isto, mas preferiu o casamento gay. Calcinhas justas por calcinhas justas...
a mudança
o texto
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