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os livros (ou memórias de um bibliófilo com pouco guito)
Já que ando a falar de Monção e de glórias bibliófilas, tomem lá esta: ontem, depois de ter dado a formação, fui dar uma volta à Feira do Livro de Monção, que está a acontecer no Terreiro, ali entre a Misericórdia e o Mira-Espanha (adivinharam: é um miradouro para Espanha. É logo algo que distingue Monção de Lisboa: em Monção, vai-se a um miradouro para olhar para os espanhóis, não para estar com eles). No caminho, encontrei uma amiga. Disse-lhe que ia à feira do livro. Ela encolheu os ombros:
"Não está grande coisa".
Certo. Vamos lá ver, então. A feira estava pequena, é certo, com poucas bancas, mas - o que via eu? Uma banca de livros manuseados. Comecei pelos livros de 2,5€. Um bocadinho de remeximento e, pimba!, sai uma edição da Fenda de 1989 do Teatro e o Seu Duplo. Por 2,5€? Grande negócio: faltava-me Artaud na estante (só tinha a edição em inglês e em ficheiro digital) e na Fnac a edição mais barata custa quase 14 vezes mais. Muito bom, mas passemos para os livros de 1,5€. Um bocadinho de remeximento e, ops!, saem as Novas Impressões de África, de Raymond Roussel, também da Fenda, mas de 1988 e que e que nem a própria Fnac tem, a não ser em versão espanhola. Assim, num instantinho, ganhei patafísico para ler. E como dizia o bom do Borges,
De sexta-feira a hoje, orientei 16 crianças numa oficina de curtas-metragens com telemóveis. Organizadas em grupos, escreveram, filmaram e montaram quatro filmes, com estilos que vão do terror avant-garde à comédia romântica. Foi em Monção, a minha terra natal, mesmo aqui no norte, ao ladinho de Espanha. Meus amigos, foi das coisas que me deu mais gozo fazer. Eu cresci numa vila sem cinema, sem auditório e com uma biblioteca da Gulbenkian de poucas estantes. Detesto o paleio do estilo "no meu tempo divertíamo-nos e não tínhamos nada". O caraças. No meu tempo, chateávamo-nos e víamos televisão. Não tínhamos ninguém que nos viesse dizer "podes fazer isto", "isto faz-se assim" ou "está bom, continua" ou "vê lá se assim não fica melhor" e não tínhamos sítio onde isso pudesse ser dito. Agora há uma biblioteca com DVD's, CD's e computadores. Agora há uma escola profissional com um auditório bem porreiro, que descobri na sexta-feira com a exibição do excelente Waiting For Europe. Podia-se resmungar "estes miúdos agora não sabem a sorte que têm". Pois ainda bem que não sabem. Para se saberem sortes, já bastam as más. Ao passar-lhes um bocadinho do pouco que aprendi, do que gostaria de ter feito quando tinha a idade deles, eu ganho mais um pouco sobre o lado negro de mim. As vezes guardadas de ouvir "aqui não vale a pena", "aqui os miúdos não querem saber disso" - quando vejo 16 putos a escreverem guiões em meia hora e a sacarem da cartola cavaleiros, diabos, princesas, amantes, murros, ciúmes e risos, a terem ideias para filmagens que envolvem filtros e caracterizações e sonoplastias, quando isso acontece dou bofetadas bem fortes naquelas vezes. Houve quem dissesse "quem diria que eles conseguiam". Espero bem que o digam tantas vezes até deixarem de o dizer. A malta esteve de parabéns - porra, e eu também.
Afinal, não estavam os tipos que foram detidos no Chiado apenas a seguir à letra as palavras de Cavaco na Assembleia da República? É caso para dizer que é para isto que servem as amnistias.
O facto de, há 33 anos, uma revolução sem sangue ter acabado com uma ditadura de quase 50 é admirável. O facto de, desde então, se ter deixado que os indivíduos se acomodassem na passividade e na indiferença perante a desigualdade é execrável. Há muitas coisas a correrem mal. Tivemos nas mãos a promessa de sermos todos irmãos, mas não conseguimos resistir a invejas antigas, a mesquinhezes partidárias - em suma, à nossa particular expressão da tendência humana para lixar tudo. Hoje, entre o trabalho, o estar numa casa de que só se vai ser pleno proprietário daqui a 40 anos e o fim de semana no centro comercial, é um Portugal inteiro que anda adormecido, indeciso entre aquilo que deseja e a culpa de não o merecer. O dia de hoje vale pela esperança de sonho. Talvez um dia toda a gente acorde e perceba que estamos nisto juntos, desde o Belmiro de Azevedo até ao tipo que dorme enrolado num cobertor à frente da Caixa Geral de Depósitos da Graça, e que é em todos que temos de pensar quando decidimos alguma coisa, e que é a todos e a nós mesmos que devemos o importarmo-nos com aquilo que é público. Eu mantenho-me céptico. Por enquanto, o 25 de Abril é um pretexto para as televisões fazerem programação estéril sem que percebam que o sonho que o motivou ainda não se cumpriu - que ainda o estamos a fazer. Lembro O'Neill e a "Avenida da Liberdade":
Subamos e desçamos a Avenida, enquanto esperamos por uma outra (ou pela outra) vida.
Enquanto o "Só Visto" vai debitando "sound bytes" na televisão aqui ao lado, neste 25 de Abril eu pergunto-me quanto mais tempo andaremos a subir e descer a Avenida.
O BoingBoing aponta para um ensaio de Naomi Wolf onde ela enuncia 10 passos para que um governo corrupto crie um estado fascista. O primeiro (invocar um aterrador inimigo externo e interno) - não vos lembra nada?
Não há muito mais a dizer para além daquilo que está no cartaz, mas os Alcómicos Anónimos vão ao São Luiz fazer o espectáculo "Matrioshka" nos dias 3, 4 e 5 de Maio, pelas 23h30. Não percam e, já agora, aceitem o desafio Blogosfera.
No Dia Mundial do Livro, é lançada a SINAPSES, editora on-line em que cheguei a estar envolvido e à frente da qual continuam os meus amigos, os excelentes, Rui Justiniano, Sérgio Alves e João Pedro Pereira. O projecto - uma editora com sede on-line que visa principalmente publicar e-books que depois poderão ou não passar a papel - é inovador em Portugal e, entre a meia dúzia de obras que o abrem, destaco (sem qualquer desmérito para os outros autores, é claro) Continhos de Alfarrobeira, da minha camarada de antologias dos Jovens Criadores Alexandra Pereira, e Zero, de Paulo Amaral André, que foi a obra mais fascinante daquelas que avaliei quando ainda estava ligado à editora. Resta-me desejar felicidades aos mentores da editora e sugerir-lhes a possibilidade de download numa maior variedade de formatos, como acontece no site ManyBooks.Net.
Para além do stand-up, há outras formas de monólogo cómico norte-americano bem interessantes e que ainda não foram aproveitadas cá. Três nomes: Eric Bogosian, que já passou por Portugal e teve ainda recentemente o seu "Wake Up And Smell The Coffee" feito por Tiago Rodrigues no bar do Maria Matos; Spalding Gray, que começou um tipo de monólogo tragicómico, em tom confessional e sentado à mesa, que serviu de influência a vários artistas que lhe seguiram (incluindo o próprio Bogosian); David Sedaris, que começou a carreira aos 26 anos com The SantaLand Diaries, um relato na NPR sobre a sua experiência enquanto duende natalício nos armazéns Macy's.
As diferenças deste tipo de espectáculo para o stand-up são a motivação e a forma. No monólogo (ou neste tipo de monólogo), não se procura necessariamente a gargalhada em ritmo da piada, por um lado; por outro, há um enfoque muito maior em desenvolver uma história. A seco, eu diria que o que no stand-up depende da persona, aqui depende do texto (Sedaris, Spalding, Bogosian, todos escritores), que é o mesmo que dizer que, se um comediante de stand-up pode safar um mau texto, um bom texto pode safar um mau monologist; ainda mais a seco, diria que a diferença principal é a do que se pretende da audiência no que toca a ritmo e tipo de participação. O monologist está mais próximo do contador de histórias, enquanto que o comediante de stand-up está mais próximo do palhaço do circo. Mas, é claro, nenhuma destas classificações é pura.
Reparem no modo como Daisey tratou o acontecimento. Primeiro, ficou surpreendido. Depois, tentou interpelar as pessoas que lhe despejaram água sobre o outline do show, mas nenhuma lhe respondeu (como diz o próprio Daisey, "usually, terrorists say what they want"). Daisey zangou-se, mas depressa voltou ao palco para continuar o show de cabeça fria e integrando o que acabara de acontecer numa conversa com o público restante. No fim do vídeo, vemo-lo a retomar o monólogo - e aí percebemos: isto não é treta. É um espectáculo teatral com princípio, meio e fim, que se dá às pessoas em troca do dinheiro do bilhete. Não é por estar sentado que um monologist é menos profissional do entretenimento - e aqui Daisey mostra-o muito bem.
Este é, realmente, o post que já se impunha há algum tempo. Do Schopenhauer até à Lapa ou vendo cama tripartida + colchão de látex é o novo álbum dos Isabelle Chase Otelo Saraiva de Carvalho, está disponível para download gratuito e, para não dizer mais, é o mais recente rebento de uma tradição rockística pentelhuda, de gente que não faz música para assinar contratos - a menos, obviamente, que o contrato seja beber vinho. Apesar de a palavra "merda" sair muitas vezes da boca dos membros do grupo para descrever a sua obra, a verdade é que, se isto é som de gravação em sala de estar, eu vou à casa de banho e já venho. Quem persistir na não-audição dos Isabelle, ou é parvo ou na não-audição não tem arte. Se há rockabilly em Coimbra, se há romantismo de rosa de plástico em Coimbra, se há vómito em Coimbra, eles estão neste disco. Definitivamente, Isabelle Chase Otelo Saraiva de Carvalho é o roque - e só é pena que ainda não tenham passado para download em ficheiro único os álbuns anteriores. Leitor, faz favor: vai ouvir esta merda.
Hoje é o dia da Terra. A Matéria do Tempo, um dos blogs mais interessantes que tenho lido nos últimos tempos, aproveitou para publicar a Carta do Chefe Índio Seattle a Franklin Pierce. Um excerto:
E, por falar na ópera, o livro com o meu libreto está à venda na feira do livro de Coimbra, no stand da Livraria Quarteto. Segunda-feira, dia 23 (amanhã, portanto), haverá um mini-espectáculo com músicas extraídas da mesma. Por coincidência, a Oficina de Poesia, à qual pertenci, também vai fazer uma leitura de poemas nesse dia. Ficam assim informados.
Há dias, fui à feira do livro que está a decorrer (ou já terá acabado?) na estação de Metro do Cais do Sodré. Lá encontrei "A Arte de Armar", de José Jorge Letria e, por aquilo que consegui apurar e perceber, publicado em 1974, mas antes do dia 25 de Abril. A dada altura, diz o autor:
Num país onde a carne está cada vez mais cara, onde são poucas as pessoas que sabem ler, menos as que possuem telefonia e ainda menos as que sabem ouvi-la, o cantor não pode ter e veleidade de transformar o que quer que seja em discos de cento e oitenta e dois e quinhentos. Por isso mesmo deve utilizar outros meios: deve (para já não acredito que seja possível) falar uma linguagem simples, dirigir-se às pessoas com clareza e estar consciente do seu papel (muitas vezes de embrulho) numa terra em que são poucas as pessoas que o estão, efectivamente. As dificuldades não são pequenas e as pessoas estão cada vez mais desencorajadas.
É estranho eu escrever isto tão pouco tempo depois da ópera Bichus ter estreado (o texto, por opção assumida, tem abstracção q.b.), mas estas palavras são, ainda hoje, muito convenientes. Não temos necessariamente que as levar até onde queria ir Letria; contudo, talvez nos ajudem a virar o volante na direcção certa.
Eu até já o li, mas hoje encontrei na Feira da Ladra o Requiem Para Dom Quixote. A edição original. Por um euro. Até hoje foram nove anos de feiras do livro manuseado, sempre à cata dos Dennis McShades da Rififi. E logo eu, que não sou propriamente fã de policiais ou bibliómano, tinha de me fazer McShadómano... Falta-me só o Mulher e Arma com Guitarra Espanhola - serão mais nove anos?
Ainda ontem disse a alguém que não sabia de muita gente que fizesse anos no mesmo dia que eu. E não é que descubro agora mesmo, enquanto espreito um documentário no TCM sobre a feitura do "2001: Odisseia no Espaço", que tanto Philip K. Dick como Arthur C. Clarke nasceram a 16 de Dezembro?
Descobri há dias este vídeo, que vi pela primeira vez no Vh1 há uns bons anos e que nunca mais conseguira encontrar (eu bem tentei o "henry rollins" +ac/dc, mas não me lembrava de mais nada). Deixo-o aqui, que hoje bem preciso de abanar a cabeça.
Por outro lado, erros como este são migalhas ao lado daquilo que o ICAM considera dever ser um argumento cinematográfico a submeter aos seus concursos:
Ou seja, isto significa que o ICAM pondera a existência de um argumento que não contenha nem diálogos, nem "comportamentos", nem "acontecimentos". De certo modo, eu compreendo: deverá ter havido propostas com algum destes elementos em falta e, felizmente, só uma mão-cheia delas ganhou o subsídio. Mas isto confunde, pá: se eu puser uma personagem a soltar um pum, devo considerar isto um "acontecimento" ou um "comportamento"? Um "acontecimento", dirão alguns, mas eu contraponho - e se ela fizer força, não deverá aí já ser considerado um "comportamento"? Enfim, a vida de argumentista é complicada. Opções ilimitadas colocam-se-nos na criação e é normal que a angústia rompa. Felizmente, o ICAM veio ajudar. Assim, sei que, quando estiver encravado numa história e já houver converseta a mais, posso sempre optar por um "acontecimento". Ou por um "comportamento", se se fizer força.
Cho Seung-Hui, que ontem matou trinta e três pessoas (incluindo ele próprio) na Virginia Tech, era estudante de Inglês e escreveu duas peças de um só acto para o curso que, supostamente, levaram os professores a orientarem-no para tratamento psicológico. A AOL News pôs as peças on-line. Estão muito, mesmo muito longe de serem bons nacos de prosa teatral e, como aponta um leitor do BoingBoing, não podemos nunca ligar um conteúdo violento a uma necessária intenção violenta por parte de um autor, mas aposto que não demorará muito até que alguém as encene...
Não sei se a série de Martin Scorsese terá tido alguma coisa a ver, mas os blues estão em alta na ficção cinematográfica: depois de Black Snake Moan, John Sayles prepara-se para lançar Honeydripper.
O grande problema da comunicação quotidiana é que o pecado do comunicador pode passar facilmente como sendo do comunicado. Por exemplo, se perguntarmos a um cretino "O que acha do assunto do diploma do primeiro-ministro?", ele poderá facilmente responder "Eu acho que o primeiro-ministro é um cretino" quando isso é meramente um reflexo da sua própria cretinice. Por outro lado, um cretino de simpatias opostas poderá responder "eu creio que o primeiro-ministro é genial" e, do mesmo modo, ser isso um mero e entortado reflexo da sua cretinice. O grande problema da comunicação, portanto, é não oferecer garantias: nem de si própria, nem de quem comunica.
Podemos sempre perguntar porque é que o primeiro-ministro tinha que pôr no currículo um curso que nem chegou a começar. Mas compreendo Sócrates: eu próprio não faço questão que se saiba que estudei Direito.
PUBLICIDADE (ver) Devo confessar que, de todos os sites que me têm aparecido para anunciar, este é o que realmente me mereceu maior interesse. O Bassabids é um site de leilões que, ao contrário do que é normal, não atribui o item leiloado a quem licitou mais alto. Quer dizer, isso até pode acontecer, mas só se a quantia oferecida for a licitação única mais baixa de todas. Ou seja, digamos que um item é licitado só três vezes: se dois dos licitadores ofereceram 2€, eles perdem para o terceiro, quer este tenha oferecido menos ou mais do que eles. É um sistema que baralha bem as regras do jogo: o Bassabids percebeu que os leilões on-line têm um lado muito forte de concurso e, inteligente, alterou o formato dominante. Problema: está em beta-testing e anuncia que haverá pagamentos futuros. Ainda assim, a visita é interessante.
E, já que falei do David Hasselhoff, não consigo resistir a, finalmente, depois de muitos anos de contenção, finalmente vir a público e perguntar: seria de mim ou a gaja magrinha e o careca de bigode não combinavam com tudo o resto? Bem, deixem lá... tomem um rebuçado:
Se há uma coisa que se pode dizer sobre David Hasselhoff é que ele é um esteta do mau. O vídeo de Hooked On A Feeling já era um monumento de "trash", pensado do início ao fim, do primeiro milímetro quadrado de esmalte brilhante do cantor/actor até à última pena dos anjos. Mas este "Jump In My Car" que, ao que parece, já é de meados de 2006, também tem o seu quê.
Repararam nos cromas, na interpretação displicente (bem melhor do que a fatelice estilo Status Quo do vídeo original), na melodia que não sai do ouvido nem que demos um tiro na cabeça, no machismo porreiraço, no ar hasselhoffiano à "eu sei que sou o equivalente musical da sandes de torresmos e isso não me importa mesmo nada"? Já passou a altura de se gozar com ele: Hasselhoff atingiu o estatuto de artistas como Luixy Toledo. Pode fazer o que quiser e quando quiser. Será sempre igualmente mau, mas nunca lhe perdoaremos se algum dia for bom.
E, já que mencionei "El Fiera", aqui ficam com uma interpretação de Luixy de "Exorcismo", a canção que Michael Jackson terá plagiado para fazer o seu "Thriller". Este, obviamente, é um daqueles grandes momentos que só uma televisão espanhola particularmente inspirada pode oferecer. Grande "trash".
Foi já em Setembro de 2005 que o Ricardo Pinto (quem andou pela blogosfera em 2003 ainda se lembrará do a-deus) me propôs escrever um espectáculo de homenagem a Miguel Torga no centenário do seu nascimento, que seria dois anos depois. Julgo que também terá sido ele a dar a ideia de partirmos dos "Bichos". A proposta agradou-me de imediato: não só reconhecia grande valor ao Ricardo e ao resto da malta que ele se propunha juntar para o projecto - que já tinha visto actuar num espectáculo anterior sobre a paixão de Inês de Castro -, como me sentia atraído pela possibilidade de trabalhar sobre um dos primeiros textos "adultos" que lera, com 12 ou 13 anos.
Logo nas primeira reuniões do grupo de trabalho, percebi que nem eles nem eu ficaríamos satisfeitos com uma adaptação, pelo menos no sentido que esta palavra tem hoje. Na minha perspectiva, isso era redundante e ilustrativo. O espectáculo não era para a infância: eu não queria actores vestidos de animais a fazer barulhos de animais enquanto soltavam larachas moralizantes e uma cantiguinha. Na minha leitura - e eu não sou nem investigador nem torguiano, por isso, sou responsável só perante o público -, os "Bichos" não são meras fábulas, mas observações em forma de conto sobre tipos de personalidade. Há três níveis de autoridade no livro (animais, pessoas, deus), mas não é garantido que se fique onde se está: um animal pode ser maior do que deus, uma pessoa pode morrer como um bicho.
Assim, tive de escolher. Partindo do princípio de que não podia prestar homenagem a um autor livre se, até certo ponto, eu próprio não me libertasse do autor, escrevi uma ópera para apenas duas personagens e coro. Ópera impura, é certo, mistura de erudito e popular, igreja e Broadway, música contemporânea e Paredes - mas, raio, ópera. Do livro, que tinha despido até à raiz, usei só essa mesma raiz, os mecanismos das ideias que ele me propôs. Por isso o espectáculo tem o nome que tem: porque é uma visão nova que inventa o seu próprio léxico, mas também porque despe os "Bichos" e os torna vulneráveis a uma outra perspectiva.
Gostava muito que aparecessem. Se não puderem, tudo bem, mas não se esqueçam de dizer ao amigo que até gostava de ir. E despachem-se, que os bilhetes não são muitos.
As fotos dos ensaios são do Nuno Carrilho, que também é compincha.