Já nem sei como aqui cheguei, mas não interessa. De todas as que vi, é a de Robespierre a que me deixa mais perplexo. Por trás dele, milhares de mortos vos contemplam.
a lotaria
A., F., M. e O. ganharam uma lotaria e ficaram ricos. Em consequência, F. tornou-se imperatriz de um império de pronto-a-vestir (mas desinteressada, pois insistia em guardar para si quase toda a roupa que devia vender), O. investiu em comércio justo e A. e M. continuaram a namorar entre lançamentos de livros e acções em plataformas de desenvolvimento rural. No fundo, no fundo, continuaram a rir-se do mundo, mas não revelaram a si mesmos o resto dos seus nomes.
o google.cn
Exactamente por ter feito muito bem em negar informação às instâncias governamentais, é que o Google fez muito mal em aceder criar um Google China que censura informação inconveniente aos ditames políticos de Pequim. O argumento de que o novo serviço ajudará, ainda assim, o incremento da circulação de informação não é claro e soa demasiado a desculpa. Entrar no mercado chinês é, para o Google de hoje, aproveitar uma oportunidade, é certo, mas fazê-lo violando o imperativo moral que a empresa se auto-impôs aquando da sua entrada no mercado bolsista ("do no evil") significa uma cobiça que pode tornar-se injustificável (o melhor modo de definir a situação está no título deste post). E de pouco adianta dizer que houve muita discussão interna e que se optou pelo mal menor: de boas intenções está o inferno cheio, e em negócios de alto nível não há boas intenções.
o tempo de cavaco
Quando Francisco José Viegas diz que tudo está registado está, talvez sem se aperceber, a dizer algo maior: que, na Internet, tudo é presente, porque o conteúdo está sempre acessível no momento em que a ele acedemos, o que é o mesmo que dizer que tudo é passado, porque o conteúdo foi colocado num momento anterior àquele em que a ele acedemos, e futuro, porque tem o germe da disponibilidade. Na verdade, na Internet não há tempo, porque a Internet é o registo de uma acção que se esgota no próprio registo, ou seja, é memória automática e perene. Simultaneamente, a Internet não é espaço, porque, sendo ciberespaço, não está em espaço algum. Assim, não sendo espaço nem tempo, a Internet terá de ser outra coisa qualquer. Seja lá o que for, não é um Cavaco Presidente da República.
Eu acho que foi escolhido o homem errado. Não porque Cavaco seja o cavaleiro do Apocalipse mascarado de D. Sebastião, mas simplesmente porque não merece o cargo. Seja como for, a maioria decidiu. Eu não sou derrotado, como o triplo Rui Tavares, porque não me comprometi com nenhuma candidatura. Enquanto cidadão e eleitor, sou jurado, não jogador, e, enquanto jurado, posso ter a opinião minoritária, mas não posso perder. Cavaco não é o presidente que eu quero, mas, a partir de hoje, e muito especificamente a partir de 9 de Março, já não é Cavaco que é Presidente da República - o Presidente da República é que é Cavaco. É uma pena que o respeito que tenho pelo cargo não corresponda ao respeito que (não) tenho pelo homem, mas assim é. A partir da tomada de posse, a pequena imagem que criei e que correu boa parte da blogosfera já não faz sentido e, por isso, retirá-la-ei. Cavaco terá de tomar decisões que, não sendo nem de perto nem de longe as que deu a entender que seriam, envolvem todos e devem servir o bem de todos. Dizer que, à partida e fora de uma campanha política, não estou com alguém colocado nessa posição é ilógico. Eu espero que Cavaco não seja nada do que foi e do que deu a entender que será. Eu espero que Cavaco não seja Cavaco. Para além disso, dou o benefício da dúvida a quem teve o beneplácito democrático. Estarei atento e, julgo, não estarei sozinho.
Eu acho que foi escolhido o homem errado. Não porque Cavaco seja o cavaleiro do Apocalipse mascarado de D. Sebastião, mas simplesmente porque não merece o cargo. Seja como for, a maioria decidiu. Eu não sou derrotado, como o triplo Rui Tavares, porque não me comprometi com nenhuma candidatura. Enquanto cidadão e eleitor, sou jurado, não jogador, e, enquanto jurado, posso ter a opinião minoritária, mas não posso perder. Cavaco não é o presidente que eu quero, mas, a partir de hoje, e muito especificamente a partir de 9 de Março, já não é Cavaco que é Presidente da República - o Presidente da República é que é Cavaco. É uma pena que o respeito que tenho pelo cargo não corresponda ao respeito que (não) tenho pelo homem, mas assim é. A partir da tomada de posse, a pequena imagem que criei e que correu boa parte da blogosfera já não faz sentido e, por isso, retirá-la-ei. Cavaco terá de tomar decisões que, não sendo nem de perto nem de longe as que deu a entender que seriam, envolvem todos e devem servir o bem de todos. Dizer que, à partida e fora de uma campanha política, não estou com alguém colocado nessa posição é ilógico. Eu espero que Cavaco não seja nada do que foi e do que deu a entender que será. Eu espero que Cavaco não seja Cavaco. Para além disso, dou o benefício da dúvida a quem teve o beneplácito democrático. Estarei atento e, julgo, não estarei sozinho.
o seleccionador nacional
Luiz Felipe Scolari, the coach who masterminded England's exit from the last two tournaments they have played, has told Observer Sport that he would be interested in taking Sven-Goran Eriksson's job after this summer's World Cup.Scolari irá para Inglaterra? A menos que passe despercebido no meio do carnaval de política que serão os próximos dias, algo me diz que este artigo do Observer dará muito que falar. Poucos meses antes do Mundial e entre recados à malta para voltar a espetar as bandeiras nas varandas, a oportunidade destas declarações não será muito discutível?
o dia 2
Cavaco é um okupa.Miguel Vale de Almeida analisa friamente e a fundo o resultado das eleições presidenciais e remete para um excelente artigo do El Pais.
o dia
Este deve ser um bom álbum para hoje. Para além disso, será verdadeiramente curioso ver o que é que estes resultados significarão na relação entre Alegre e PS.
a recusa
While the DoJ's request would not identify individual users, the scope and nature of this request sets a troubling precedent. Today, they argue, only search strings and urls; tomorrow, perhaps, the IP addresses of all users who typed in "Osama Bin Laden."É claro que o Google faz bem em negar os dados que lhe foram exigidos. Não só porque as revelações recentes sobre um reforço ilegítimo do poder executivo devem implicar um aumento da atenção por parte dos cidadãos, mas também porque, como aponta Danny Sullivan neste post em que tem acompanhado a situação,
The data, as I've written, isn't going to help the government at all in what they say it will do. Heck, if they really need that list, they could buy the data from Wordtracker. But by handing it over, the search engine loses the perception of trust with its users. They may not understand that it is not personal. They will understand the government made a wideranging request for information and that the search company didn't push back. That type of trust is worth defending in the face of an ill advised, useless government action.
o filme
Ao que parece, Moonshine é sensação em Sundance. O site do filme é interessante, principalmente a secção em que o realizador Roger Ingraham (que filmou tudo com pataca e meia aos 19 anos) fala de como é fazer uma produção low budget.
as eleições
Amanhã, a orientação do meu voto será como se ouve e lê desde Março de 2004: será um voto orientação-contra e não tenho pejo em afirmá-lo. A Mensagem Audível continuará automática até à eleição definitiva de um Presidente da República, seja ele qual for, amanhã ou numa segunda volta. Depois, permanecerá normalmente, sem automatismos, no blog e no site. Ela foi a minha campanha, aquilo que eu tinha a dizer em urgência. A minha opinião não mudará, mas a oportunidade sim, e eu não posso ignorá-lo. Reafirmo o essencial de tudo: pelo que fez antes e pelo que fez agora, estou convicto de que Cavaco Silva não merece ser Presidente da República.
as sondagens 2
A nova sondagem da Universidade Católica leva-me mais uma vez a lembrar as palavras de Leonor Areal: porquê divulgar projecções eleitorais, em vez de dar os números da sondagem propriamente?. É que a estimativa de resultados eleitorais (distribuindo os indecisos) dá 52% a Cavaco, 19% a Alegre e 15% a Soares, mas os números brutos (contando os indecisos) são de 35% para Cavaco, 10% para Alegre e 9% para Soares, com 23% de indecisos. Ou seja: não parece nada impossível que os indecisos decidam uma segunda volta e nada impede que qualquer candidato da esquerda seja o adversário do Cavaco Silva nessa segunda volta. O tom cauteloso do editorial de hoje de José Manuel Fernandes no Público, talvez prevendo essa mesma discussão, deixa a entender isso mesmo.
os encapuçados de coimbra
Como não sou nem da JSD nem do Bloco de Esquerda, estou à vontade para salientar algo de muito simples: não foram os três manifestantes que se disseram do Bloco, foram os elementos da clique cavaquista que os identificaram como tal. Aliás, no Público de hoje, um dos jotinhas dizia que sabia que assim era, pois conhecia-os da lista do Bloco para a Associação Académica. Seria bom que se identificasse que lista era essa, pois as listas mais à esquerda para a AAC são normalmente multipartidárias e têm de atender muito mais aos interesses das repúblicas do que dos partidos. Várias repúblicas são, aliás, órgãos politicamente muito vincados que tendem a agir isoladamente ou concertadamente para cumprir uma agenda própria e independente da dos partidos políticos de que estão mais ou menos próximas. É uma pena que o aproveitamente político deste acontecimento pela comunicação social e pelos operacionais de campanha esconda mais uma vez esta particularidade de Coimbra ao resto do país.
o professor
The computers, bandwidth, software and storage media needed to enable an efficient Read-Only internet are but a fraction of the technology needed to support the Read-Write internet. The potential for growth with the Read-Write internet is extraordinary, if only the law were to allow it.Lawrence Lessig escreve aqui sobre as suas previsões para a evolução do Direito de Autor no ciberespaço em 2006. Não são boas...
o poder
Ontem, ao receber o Globo de Ouro por Brokeback Mountain, Ang Lee falou do poder dos filmes para mudar o modo como pensamos. É verdade. No caso específico da homossexualidade, ainda mais. Dou o exemplo: a mim, até há uns tempos, e sem que alguma vez tenha germinado qualquer broto de homofobia, fazia-me, contudo, impressão ver dois homens a beijarem-se de modo romântico. E eu sei porquê: nunca tinha visto dois homens a beijarem-se de modo romântico. A estranheza do acto pode assim implicar a estranheza da imagem. Assim, acabe-se com a estranheza a imagem para acabar com a estranheza do acto. No meu caso, bastaram Sete Palmos de Terra.
notas sobre cinema 7
É verdade, estes filmes, nomeados para os prémios da Writer's Guild of America, vêm todos de produtoras independentes ou de subsidiárias de baixo orçamento dos grandes estúdios. O que quer isso dizer? Os grandes filmes não têm bons argumentos? É provável, mas não podemos esquecer que muitos dos que hoje consideramos bons argumentos vieram dos grandes filmes dos grandes estúdios. Não precisava de ir mais longe do que Billy Wilder. O medo de arriscar narrativamente em blockbusters (que, para um argumentista profissional, deveria ser um modelo de produção com critérios de exigência próprios e tão respeitável e exigente como outro qualquer) é explicado bem por John August: estamos a falar de investimentos de milhões de dólares e isso importa na disposição para o risco das produtoras. Mas, já agora, lembremos que os blockbusters nasceram com "Tubarão", que não é de todo um filme mal escrito ou pouco original; que se incrementaram para o grande público de modo incontornável com "A Guerra das Estrelas", obra complexa com referências múltiplas; que surgiram no seio criativo dos movie brats, admiradores e cruzados americanos da Nova Vaga francesa; que ao Coppola da fase grandiosa nunca foi exigido menos (os Padrinhos e Apocalipse Now foram enormes êxitos de bilheteira); que, ao longo dos anos, resultaram de reformulações de filmes com mérito como "Rocky", "First Blood" (ler Práctica del Guión Cinematográfico, de Bonitzer e Carrière) ou "Die Hard"; e que ainda hoje as casas-mães não são indiferentes ao que as filiais rebeldes vão fazendo. Ao fim e a cabo, os filmes ou são bons ou são menos bons, e para isso o mais importante não são os production numbers.
portugal?
Estou a ver o Prós e Contras e ouço falar muito da necessidade de reinventar Portugal. Peço desculpa, não partilho desse objectivo. A cada segundo que passa, estou demasiado ocupado a reinventar-me.
o filme
A Leonor Areal retoma o tema do filme sobre fado de Carlos Saura. Mas, mais uma vez, afirmo: o argumento (usado por Maria José Nogueira Pinto na recusa inicial) de que a decisão é injusta porque um filme sobre fado não deve ser realizado por um espanhol é mais do que dirigista, é provinciano e tacanho. Esqueçamos isso e, considerando os óbvios benefícios promocionais que do filme advirão para a própria cidade de Lisboa, para o fado e para a visibilidade da cultura portuguesa, pensemos no outro lado da questão: são 1,21 milhões de euros (quase um terço do orçamento para a Cultura da cidade de Coimbra) atribuídos sem concurso a um único projecto. A Câmara Municipal de Lisboa e os restantes organismos públicos que ajudarão a financiar o filme deveriam ter esclarecido melhor quanto darão e de que modo se efectuará a sua participação nos direitos do filme. É uma pura e simples questão de cautela política e financeira e um direito básico dos contribuintes e dos cidadãos.
o livro electrónico
Um artigo muito interessante no Guardian sobre a iminência de mudança no mundo editorial com o livro electrónico. Tenho 30 livros electrónicos numa pasta pouco acedida no meu computador. São milhares de páginas numa quantidade diminuta de informação. Não os leio porque me é desconfortável e considero pouco prático ler em ecrãs de computadores. Mas aparelhos como este parecem-me já bem apropriados. Acabar com a impressão poderá representar um avanço imenso na rapidez de comunicação. Qualquer autor, poeta, dramaturgo, ficcionista, poderá publicar e vender imediatamente sem ser intermediado pelo editor, pelo tipógrafo, pelo distribuidor, pelo livreiro. Aparecerão novos modos de fazer jornalismo e de distribuir informação. As novas tecnologias implicarão a morta da escrita? Pelo contrário: com elas, a escrita poderá ser mais viva do que nunca.
a cantora
Ouvi Florence Foster Jenkins pela primeira vez há alguns anos. Hoje, reouvi-a, via WFMU, a interpretar a ária Der Hölle Rache. Aconselho vivamente...
o candidato
Indeciso, ontem comprei o Diário de Notícias e o Público. No primeiro, fixei as palavras de Fernanda Câncio:
A indiferença pode ser a mais acabada forma de desprezo e a melhor afirmação de poder (desde que, bem entendido, se tenha poder) . Mas é preciso saber encená-la. E Cavaco não sabe.My feelings exactly. Se há uma coisa que a campanha tem demonstrado é que Cavaco Silva não é bom a fazer aquilo que o marketing claramente lhe impôs: parecer menos rígido e não dividir as opiniões. Ontem, já não era novidade. Mas é sempre delicioso passar para o Público, abrir o Fugas e ver a resposta que o emérito senhor dá quando se lhe pergunta qual o seu vinho preferido:
Eu não sou um especialista de vinhos e estar a escolher um poderia ser injusto em relação aos outros. Não costumo beber vinhos. Para mim, os vinhos bons são os vinhos portugueses.Poderá realmente haver mais falta de jeito para a persuasão discreta?
notas sobre cinema 6
No início da cena em que Anna (Julia Roberts) acaba com Larry (Clive Owen) em “Closer”, ouve-se um sino. Depois de ela lhe dizer que prefere Dan (Jude Law) por ser mais gentil, ele obriga-a a descrever o sexo com o amante. Ela fá-lo a custo, ele agradece-lhe a honestidade e insulta-a. Depois, no clube de strip, tenta que Alice (Natalie Portman) lhe diga o nome verdadeiro. Não o consegue. Larry chora. Dura pouco: as lágrimas secam-lhe e ele instrui Alice sobre o modo como deve dançar para ele. Larry é um animal ferido que tenta sobreviver com a própria vida como moeda de troca. Odeia a mentira, odeia o centro de Londres por parecer um parque de diversões. Larry é a vida, o Palhaço Pobre, o jogador.
notas sobre cinema 5
Por muito que queira, nunca conseguirei ensinar a uma mulher a gostar de “As Confissões de Schmidt", de “Broken Flowers” e do Larry de Clive Owen em “Closer” tanto como eu. Ao mesmo tempo, sei que nunca terei de o ensinar a um homem.
o livro
1 (de dentro para fora). Um livro português que tivesse como subtítulo "85% de uma história verdadeira" não poderia ter sucesso em Portugal. Como seduzir com a mentira numa país em que toda a verdade está exposta à pequenez do espaço?
2 (de fora para dentro). Ler isto faz-me perceber como não distingo, nunca distingui, uma cultura alta de uma baixa, quer no que fruo, quer no que produzo. Pergunto: isso é bom? No mínimo, dá-me muito trabalho.
2 (de fora para dentro). Ler isto faz-me perceber como não distingo, nunca distingui, uma cultura alta de uma baixa, quer no que fruo, quer no que produzo. Pergunto: isso é bom? No mínimo, dá-me muito trabalho.
as sondagens
Ando há dias a moer uma pergunta muito simples: porquê divulgar projecções eleitorais, em vez de dar os números da sondagem propriamente? A sondagem do Público de sábado passado (9 Jan.06) que, na primeira página dá 60% a Cavaco, vê-se depois que é uma estimativa e que, nas intenções directas de voto, ele só tem 38%, enquanto MS e MA não chegam aos 10% cada, JS e FL têm juntos 7% e há 23% de indecisos (presumivelmente de esquerda). Fazendo umas contas mágicas que o eleitor comum jamais há-de compreender, lá distribuem – proporcionalmente ou com outro critério mais complicado - os 36% que sobram (indecisos, abstencionistas, brancos e nulos) e dá aquela aberrante estimativa que pode ser vista como pura manipulação.A Leonor Areal escreve um texto precioso.
o hino
O Mário Almeida escreve sobre o hino e o anúncio da PT. Na minha opinião, a questão está exactamente em saber se a sua utilização em publicidade paga (ou seja, na promoção comercial de uma empresa) não ultrapassa o respeito que o próprio texto do Combustões considera dever pautar a utilização dos símbolos nacionais. É claro que a liberdade de expressão deve salvaguardar a interpretação artística, mas o equilíbrio entre os dois valores (liberdade de expressão/respeito aos símbolos nacionais) não ficará desrazoavelmente desproporcionado quando são utilizados como jingle?
o anúncio
Às 24h da próxima sexta-feira 13 de Janeiro (ou seja, às 00h00 do sábado), leio textos meus no programa Livro de Cabeceira da Rádio Universidade de Coimbra. Mais detalhes aqui, emissão online aqui.
o abuso
O mais a escrever é pouco e simples e, curiosamente, leva-me às palavras de Herzog em Grizzly Man: os casos recentes de abusos sexuais a bebés em Portugal e Inglaterra revelam bem o carácter caótico, violento e extremamente pré-moral da vida e, por consequência, da natureza humana. Ao contrário dos crimes sobre adolescentes, a patologia que neles surge está para além do sexo: é um ignóbil desejo de dominação sobre o mais fraco, dominação pelo próprio acto de dominar, e nada mais. A monstruosidade do acto cobre e anula qualquer possibilidade de piedade pelos agressores, porque não se aceita razoavelmente que traumas psicológicos desviem o juízo racional a este nível. Ao fazer isto, estas pessoas recusam, não só a moral, mas também todas as conquistas da Razão e, ao fazerem-no, põem-se de lado quanto a todas as outras.
o abuso
No Reino Unido, um casal abusou sexualmente de um bebé de 12 semanas. Escreverei mais sobre o assunto.
A loucura
Eu sei que isto poderá soar suspeito vindo da minha parte e, principalmente, se mantiverem o som ligado enquanto lêem este post. No entanto, não posso deixar de perguntar: Cavaco andará bom da cabeça? Ninguém acha estranhas as reacções do homem aos beijos da multidão, uma certa embriaguez que parece ou fingida ou irrazoável? No final da entrevista íntima para o telejornal da SIC, o antigo espectral primeiro-ministro exclamou em puro êxtase para o jornalista algo como “olhe os passarinhos ali em cima daquela rocha, vê os passarinhos a levantar voo?”. O homem que fala de modo infantil para as criancinhas é o mesmo lobo mau de há uns anos? O homem que lança piadas à mulher, dizendo-lhe para não beber o vinho forte que ele provava para não perder um voto, é o mesmo que há dez anos foi sugado por ela num beijo à frente de uma audiência em delírio? Se fosse possível ainda existir um descuido que levasse o candidato a perder, não me espantava nada que fosse um berro à Howard Dean. Perante as perspectivas, não sei realmente o que será melhor: que no Palácio de Belém entre um calculista ou um louco.
umbiguismo*
Now, whenever I get up
And I ain't got what I see
I just make it down to Rose Marie's
'Bout a quarter after three.
There are worse ways of getting there
And I ain't complainin' none.
If the clouds don't drop and the train don't stop
I'm bound to meet the sun.
And I ain't got what I see
I just make it down to Rose Marie's
'Bout a quarter after three.
There are worse ways of getting there
And I ain't complainin' none.
If the clouds don't drop and the train don't stop
I'm bound to meet the sun.
três semanas de férias
Concluí um conto que poderá vir a ter uma adaptação. Corrigi dois terços de um livro (o outro terço está por escrever). Preparei uma candidatura a um curso. Acautelei trinta e quatro possíveis futuros. Adiantei trabalho numa opereta. Enviei e recebi inúmeros e-mails, uns bons, outros não tão bons. Ajudei no planeamento de um site. Finalizei uma curta-metragem (muito artesanal) e enviei-a pelo correio. Escrevi em seis horas a primeira versão do argumento para uma outra curta-metragem (muito pouco artesanal). Fiz no blog (quase) tudo aquilo que queria, mas não podia, ter feito antes. Preparei e fiz uma apresentação num colóquio.
Posso, por favor, meter férias destas férias?
Posso, por favor, meter férias destas férias?
o abuso
Algum jornal procurou saber o que se passava dentro da Casa Pia? Não. Os jornais e as televisões contentam-se com o que alegadamente se passou fora da Casa Pia.Não há réplica possível para estas palavras.
o preço certo em euros
Em princípio, O Preço Certo em Euros ser-me-ia incómodo apenas pela sua ideia. Explico: a RTP já tinha transmitido umas séries do concurso aqui há uns bons anos (em 1986, se não me engano; estarmos na Europa era novo, ainda não havia euros - já havia ecu's, mas esses não circulavam), apresentadas primeiro por Carlos Cruz e depois por Nicolau Breyner e que fizeram o favor de substituir o Alf de surpresa. Por várias noites, a minha mãe deixava-me ficar até depois do concurso só para ver se a série ainda ia dar, mas, depois de algumas desilusões, desistimos. No que às equivalências diz respeito, foi como se o Preço Certo me tivesse dito que o Pai Natal tinha morrido.
Agora, traumas infantis à parte: O Preço Certo em Euros é o equivalente televisivo a uma sardinhada: é o luxo possível para quem não o tem. Não é por acaso que os concorrentes são na maioria trabalhadores ou classe média baixa, ao contrário das classes qualificadas d' O Cofre. Os prémios daquele são coisas caras, mas simples, pois não escondem as suas intenções: o carro, a viagem ao Brasil, os electrodomésticos, os conjuntos de mobília. A ideologia por trás d' O Cofre é a do mundo dos negócios. A do Preço Certo em Euros é a da gincana. A prova? N'O Cofre, é raríssimo ouvir um concorrente dizer "não ganhei, paciência".
O Preço Certo em Euros tem pelo menos dois méritos. Por um lado, conseguiu transformar-se numa espécie de acontecimento que vai para além da lógica do simples concurso: os concorrentes levam ofertas gastronómicas a Fernando Mendes, fazendo assim publicidade a restaurantes, pastelarias locais e mesmo às próprias terras; Fernando Mendes ofereceu uma televisão a uma ex-concorrente que não a tinha; todo o público participa na adivinha dos preços; enfim, há um pequeno caos. Por outro, o concurso conseguiu, principalmente com a saída de Jorge Gabriel e a correspondente entrada de Fernando Mendes (espantoso como a personalidade dos dois apresentadores se adequa à dos concursos que apresentam), conquistar uma espécie de imagética própria, com as suas personagens: Cristina, a assistente sorridente e simpática; Lenka, a lasciviosa assistente checa; Joao, o assistente musculado, ingénuo e injustiçado; Miguel, o co-apresentador cúmplice; e, é claro, o rotundo Fernando Mendes, com a sua infinda bonomia e o dom de se fazer respeitar ao mesmo tempo que faz o público rir às gargalhadas.
Por ser honesto nas suas intenções, O Preço Certo em Euros é-me simpático, apesar de tudo. Nele, há algo de genuíno que transparece, como conseguiu transparecer também no 1,2,3 dos anos 80. Não posso dizer o mesmo de nenhum outro concurso actualmente em transmissão.
Agora, traumas infantis à parte: O Preço Certo em Euros é o equivalente televisivo a uma sardinhada: é o luxo possível para quem não o tem. Não é por acaso que os concorrentes são na maioria trabalhadores ou classe média baixa, ao contrário das classes qualificadas d' O Cofre. Os prémios daquele são coisas caras, mas simples, pois não escondem as suas intenções: o carro, a viagem ao Brasil, os electrodomésticos, os conjuntos de mobília. A ideologia por trás d' O Cofre é a do mundo dos negócios. A do Preço Certo em Euros é a da gincana. A prova? N'O Cofre, é raríssimo ouvir um concorrente dizer "não ganhei, paciência".
O Preço Certo em Euros tem pelo menos dois méritos. Por um lado, conseguiu transformar-se numa espécie de acontecimento que vai para além da lógica do simples concurso: os concorrentes levam ofertas gastronómicas a Fernando Mendes, fazendo assim publicidade a restaurantes, pastelarias locais e mesmo às próprias terras; Fernando Mendes ofereceu uma televisão a uma ex-concorrente que não a tinha; todo o público participa na adivinha dos preços; enfim, há um pequeno caos. Por outro, o concurso conseguiu, principalmente com a saída de Jorge Gabriel e a correspondente entrada de Fernando Mendes (espantoso como a personalidade dos dois apresentadores se adequa à dos concursos que apresentam), conquistar uma espécie de imagética própria, com as suas personagens: Cristina, a assistente sorridente e simpática; Lenka, a lasciviosa assistente checa; Joao, o assistente musculado, ingénuo e injustiçado; Miguel, o co-apresentador cúmplice; e, é claro, o rotundo Fernando Mendes, com a sua infinda bonomia e o dom de se fazer respeitar ao mesmo tempo que faz o público rir às gargalhadas.
Por ser honesto nas suas intenções, O Preço Certo em Euros é-me simpático, apesar de tudo. Nele, há algo de genuíno que transparece, como conseguiu transparecer também no 1,2,3 dos anos 80. Não posso dizer o mesmo de nenhum outro concurso actualmente em transmissão.
o colóquio
Quando miúdos entre 12 e 15 anos, naturais de aldeias e vilas pequenas do Alto Minho e sem acesso a uma ínfima fracção dos meios culturais de que dispõem audiências mais urbanas assistem a uma conferência sobre leitura, o que acontece? No caso de hoje, em Melgaço, ouviram em sossego e com interesse o que tinha para lhes dizer, o que incluía o Cântico dos Cânticos, o Apocalipse de S. João, Rimbaud e Bob Dylan - só o que achei que mereciam (no bom sentido) ouvir, apelando a alguns truques para merecer-lhes a atenção. Não faria de outro modo se falasse para um público adulto. Mas há uma diferença. É que eu já fui um deles.
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Às 24h de hoje e da próxima sexta-feira (ou seja, às 00h00 dos sábados), leio textos meus no programa Livro de Cabeceira da Rádio Universidade de Coimbra. Mais detalhes aqui, emissão online aqui.
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bloglines
O Bloglines permite-me demorar menos a ler a minha lista de blogs? O tanas. Primeiro, acrescentam-se feeds de blogs, depois, de jornais, depois, de revistas e, quando se dá por ela, já se têm quase 200 feeds em lista. E é raríssimo que cada nova ronda de leituras não passe por acrescentar um ou mais links ao enxoval. O RSS, uma benesse? Antes uma maldição.
Camus
46 anos da morte de Albert Camus? Como é possível que tanto ano possa existir entre um escritor e alguém que o lê fascinado desde os 17 anos (sempre vigiando a melhor altura: não posso, não consigo ler Camus em tempos que não o mereçam)? Pulido Valente disse há tempos que só os iletrados escolhem os livros da sua vida, mas eu não me importo que me chamem iletrado por dizer que "O Estrangeiro" (o das Edições 70, com a introdução do Sartre) é o livro da minha vida. Ela mereceu-o mais do que qualquer outro no momento em que o leu, o livro mereceu-a do mesmo modo, o resto não me interessa muito. Aliás, depois disto, mais palavras de apreço são desnecessárias.
operar a escrita
O Boing Boing postou um texto interessante sobre o possível significado dos novos blogs de escritores na Amazon. O Sunday Times enviou cópias dactilografadas de dois romances vencedores do Booker a 20 editoras como sendo pretendentes a publicação, nenhuma os reconheceu e apenas uma manifestou interesse por um deles. João Luís Barreto Guimarães começou um blog que promete. E, talvez seja de mim, mas isto, isto e isto fazem com que John Hodgman me pareça bem interessante. David Foster Wallace também.
E se
What if I ran into bloggers?
Ever since the total, irretrievable collapse of the Internet in a chaos of viruses, worms, spam, terrorism and busts by the FBI anti-porn squad, that archaic species of human had become a bigger street menace than mimes, Jehovah's Witnesses, or panhandlers ever were.
O escritor de ficção científica Paul Di Filippo escreveu um conto em que descreve um dia normal num mundo em que a Internet desapareceu. A fixar bem fixado.
(via Boing Boing)
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notas sobre cinema 3
As histórias de Méliès serviam, ainda assim, o fascínio da imagem. Exigiam, visualmente, o novo. No entanto, anunciavam outra linha, que subsiste até hoje: a centralidade da narração. O cinema nascera no lugar do circo, mas seguiria para o da literatura.
notas sobre cinema 2
Por um lado, há o fascínio pela imagem: a imagem em movimento foi fenómeno de feira, coisa que surpreendia e fascinava quem passava, e havia qualquer coisa a conquistar em qualquer pessoa. Depois, Méliès inventou o enredo: nos Lumière, o fascínio pelo objecto enquanto imagem suplantava o resto, e filmava-se o que se filmava para fazer funcionar o objecto (para a imagem se mover), mas Méliès decidiu filmar o indocumentável. Os Lumière fizeram cartões postais, Méliès fez circo e prestidigitação. Méliès inventou o exterior dentro de si próprio e pouco lhe interessava o exterior; os Lumière não tinham interior, como cineastas não existiram, o cinematógrafo podia rodar sem eles (se lhe tivessem adaptado a pilha eléctrica e um sistema de controlo remoto, ficariam em casa e não contratariam ninguém).
notas sobre cinema 1
Vê-se um microfone a romper o enquadramento na cena inicial de "The Rocky Horror Picture Show". Também se vê a sombra de um helicóptero em "The Shining", o reflexo de um cameraman em "Eyes Wide Shut", um perchista em "Os Idiotas". Isto é o dentro a vir para fora, o artista a lembrar qualquer coisa, talvez ele próprio. Tudo podia ter começado com as aparições de Hitchcock, mas é claro que o cinema poucas vezes é o responsável.
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